Chama-se António Manuel Neves Ferrão, mas é mais conhecido por Toy. A alcunha vem de infância, pelo número de Antónios que viviam na vizinhança. Daquela altura recorda bons tempos, como quando o pai - alfaiate - (juntamente com a mãe e irmã) o ia levar, de manhã, à praia, antes de ir trabalhar. As praias de eleição? A de Albaquel ou da Figueirinha..Embora tenha nascido bem no centro da cidade, a infância e adolescência foram passadas mais na periferia, mais precisamente na Quinta da Alegria. Entre todas as crianças existentes havia uma especial preferência pelo nome António. O resultado era uma panóplia de diminutivos. E foi assim que nasceu o Toy..Foi também nesse tempo que as crianças se desdobravam entre vários desportos. Desde futebol - Toy orgulha-se de ter conquistado uma Medalha de Bronze nos Jogos Juvenis Setúbal 1970 - mas também salto em comprimento, levantamento do peso... uma espécie de recriação dos Jogos Olímpicos. "Havia muita atividade desportiva em Setúbal", reconhece o cantor, que admite ter-se divertido muito quando era criança. "Tive os melhores pais do mundo. Tive essa sorte. Uma irmã fantástica e um irmão mais velho que ainda viveu connosco algum tempo"..São precisamente essas recordações que fazem com que Toy permaneça em Setúbal. "Tenho uma ligação muito forte à minha terra", reflete o cantor, para quem "todos nós devemos ter essas ligações" e "devemos valorizar o que nos define". E, acrescenta: quando o ambiente em que crescemos é bom e salutar devemos manter essas recordações vivas, "inclusive para passar aos nossos filhos e netos"..Tendo em conta a infância, Setúbal está, para Toy, muito ligada à praia. Coisa de que o cantor confessa que, atualmente, não consegue desfrutar tanto quanto gostaria. Pelo menos em Portugal. "Em criança adorava praia, hoje prefiro o campo". Mas a popularidade do cantor, essa, estende-se a cada pedaço de areia, como se viu quando parámos uns minutos para uma fotografia. Desde o idoso, que fez questão de trocar umas palavras, até à jovem que questionou ao seu amigo: "Tu não sabes quem é o Toy?!".A par da(s) praia(s), Toy tem uma ligação longa ao Vitória Futebol Clube. "Fui sempre adepto", confessa, lamentando que o seu clube atravesse hoje uma fase complicada. O que não condiciona, em nada, as recordações..Orgulhoso, o cantor lembra que o seu clube chegou a ficar em segundo no campeonato e que "deu" 4 a 0 ao Spartak de Moscovo. Sobre essa ocasião lembra que, na altura, chegou a perguntar ao pai porque é que as pessoas se levantaram todas quando a equipa vestida de vermelho entrou em campo..Convém referir que isto aconteceu em 1970. "Quando o hino da ex-URSS tocou e a bandeira com a foice o martelo foi erguida - estamos a falar do tempo do Marcelo Caetano -, o Estádio do Bonfim levantou-se em peso a aplaudir a equipa adversária. Eu com 6 ou 7 anos não percebia porquê." Por isso, quando alguém lhe pergunta qual o seu clube a resposta é imediata: "O Vitória de Setúbal." E se questionado sobre "qual dos grandes", responde imediatamente que "o Vitória é enorme", acrescentando que já ganhou duas Taças de Portugal ao Benfica. "E já fiquei à frente do Porto em vários campeonatos.".É desta forma que Toy vibra com o seu clube. Vestindo a camisola. Independentemente de ter amigos de outros clubes. A ligação ao Vitória dá-se porque é "a instituição desportiva mais representativa da cidade de Setúbal", afirma, acrescentando: "Nasci e cresci nesta cidade e a ir ver os jogos". E lembra que "o Vitória ficava sempre entre os cinco primeiros lugares da Liga". Para se ter uma perceção da ligação do Toy ao Vitória, basta ouvi-lo a listar a equipa - todos os nomes e respetivas posições em campo - que venceu o Spartak de Moscovo. "Era um adepto ferrenho... e ainda sou", afirma..Mas Setúbal é mais do que praia e futebol. Um outro ponto emblemático é o Castelo (Forte) de São Filipe. Um ponto de referência quando a família recebia visitas. Mesmo porque "tem uma vista espetacular" sobre a cidade e sobre Troia, diz..A escadaria que dá acesso ao castelo chama a atenção não só pelos painéis de azulejos, mas, também, pela acústica que proporciona. "Em 1990 vou ao Festival da Canção RTP e eu e o Ricardo Landim, na véspera, estivemos aqui, cantámos aqui o Mais e mais", lembra, exaltando que a acústica do lugar dá até para cantar ópera - algo que demonstrou por breves instantes. Aliás, confessa, trata-se de um estilo de música que gostaria de cantar. Na verdade, de vez em quando, diz, "canto um bocadinho de Pavarotti"..É uma questão de estilo, porque, para Toy, só há dois tipos de música: a boa e a má. E dá o exemplo dos Xutos & Pontapés, que são "uma banda de rock, mas popular, porque todas as pessoas conhecem e todas as pessoas gostam"..Ainda sobre o castelo, Toy reconhece que, em jovem, não ligava muito à disciplina de História. Talvez por ser obrigatória. Mas hoje acontece o contrário. Gosta de saber o porquê das coisas e afirma-se um apaixonado por Bocage. Lamenta que a maioria das pessoas só conheça o "Bocage das anedotas ou das piadas eróticas". Na verdade, sublinha, "era um poeta maravilhoso que morreu muito cedo"..Sempre que algum amigo vem a Setúbal o cantor faz questão de o levar até à Serra, falar "do meu Vitória" e apresentá-lo a alguns restaurantes. Porque "a gastronomia é parte fundamental de uma cultura", além de que "a cultura gastronómica também define a identidade de um povo", reflete, acrescentando que a "identidade setubalense tem muito a ver com o choco frito, mas também com o bom pescado da região"..O setor pesqueiro, aliás, foi muito importante na história da cidade. Basta pensar nas indústrias conserveiras que, "infelizmente, fecharam todas". Com isso "perderam-se as ovas de sardinha que eram maravilhosas e que hoje raramente se encontram", aponta..Apesar de tudo, Toy considera que a pesca ainda é muito importante para Setúbal, mesmo porque há espécies típicas da região, como o salmonete. A evolução fez desaparecer, no entanto, algumas das coisas que deliciavam Toy na infância, "como os cavalos-marinhos ou as estrelas do mar". Em contrapartida, os vinhos da Região de Setúbal deram um salto qualitativo muito grande. "Para mim, a seguir ao Douro, acho que a Península de Setúbal é a segunda produtora de vinhos de qualidade", defende..Sobre a cidade, Toy realça que Setúbal mantém aquela "alma" que a distinguia. É verdade que cresceu e "albergou muitas pessoas de fora da cidade". Mas, apesar de tudo, Setúbal "mantém essa forma de receber", assim como um espírito muito próprio, de "luta contra as injustiças". Continua a ser uma cidade "reivindicativa", destaca..Para o cantor, a única coisa que faz falta na cidade é uma marina maior, "para receber grandes iates e grandes veleiros", porque "iria desenvolver o comércio e o turismo local"..dnot@dn.pt