Houve tentativa de golpe ou não na Guiné-Bissau? E qual o papel da CEDEAO?
O que aconteceu?
No dia 1 de fevereiro, homens armados atacaram o Palácio do Governo da Guiné-Bissau durante uma reunião do conselho de ministros na qual participavam o chefe do executivo, Nuno Nabiam, e o presidente, Umaro Sissoco Embaló. Depois de cinco horas de trocas de tiros, o presidente disse que tinha havido uma tentativa de golpe de Estado e denunciou um "atentado à democracia". O balanço inicial divulgado pelo porta-voz do governo e ministro do Turismo, Fernando Vaz, apontava para 11 mortos, incluindo quatro civis. Mas foi depois revisto em baixa, para oito mortos.
Quem foram os responsáveis?
No dia do ataque, o presidente apontou o dedo a "gente relacionada com o tráfico de droga", tendo o Estado-Maior-General das Forças Armadas aberto uma investigação. O caso está também a ser investigado pelo Ministério Público. Já no sábado, Fernando Vaz responsabilizou um "grupo de militares e paramilitares" que tinha como objetivo "a decapitação do Estado guineense, com recurso a pessoas envolvidas no narcotráfico e contratação de mercenários, rebeldes de Casamança". O porta-voz disse haver provas "bastantes e irrefutáveis". E alegou ligação a "certas personalidades", sem dizer quais. Várias pessoas foram detidas.
Como é que reagiu a comunidade internacional?
Foi geral a condenação ao ataque, num país que já teve quatro golpes de Estado e 17 tentativas de golpe desde a independência de Portugal, em 1974. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) foi contudo mais longe. Numa cimeira extraordinária no Gana para analisar a situação na região - houve golpes no Mali, Guiné-Conacri e Burkina Faso nos últimos 18 meses - anunciou a decisão de enviar uma força de apoio à estabilização para a Guiné-Bissau. Não foram dados pormenores, sendo que depois do golpe militar de 2012 já tinha sido enviada uma força semelhante, com as tropas a saírem só em 2020, já depois da eleição de Embaló.
E como é que os partidos em Bissau reagiram ao ataque?
Todos os partidos criticaram o ataque. A Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau, de Nabiam, falou de um "ato ignóbil" e condenou a "tentativa de subversão da ordem constitucional com recurso à violência". Já o Movimento para a Alternância Democrática, de Embaló, denunciou o "ato bárbaro e violento". O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o maior da oposição, repudiou "qualquer tentativa de alteração da ordem constitucional", mas levantou dúvidas sobre o que ocorreu.
O que argumenta o PAIGC?
O PAIGC, do ex-primeiro-ministro Domingos Simões Pereira (que concorreu nas presidenciais contra Embaló e não reconheceu a sua vitória), alega que está em curso uma tentativa de associar o partido aos acontecimentos de 1 de fevereiro. Num comunicado da comissão permanente, o partido diz ter recolhido "informações e evidências" da "construção de cenários, que permitem transferir para o PAIGC e a sua liderança todas as responsabilidades, ao mesmo tempo que compromete de forma séria a realização do congresso". Este encontro está marcado para 17 a 20 de fevereiro, mas o governo prorrogou o estado de alerta, no âmbito do combate à covid, que o proíbe. O partido vai recorrer.
Há mais alguém a pôr em causa a ideia da tentativa de golpe?
Vários analistas políticos estão também a questionar o que se passou, havendo quem coloque a hipótese de ter havido uma simulação de um ataque para o presidente conquistar legitimidade ou aproveitar para travar uma verdadeira tentativa de golpe. Em outubro, o chefe de Estado-maior das Forças Armadas, general Biague Na N"Tan (que está agora em Barcelona a receber tratamento médico), denunciou que estaria a ser arquitetada uma tentativa de golpe, com angariação de jovens militares em troca de dinheiro. O analista Rui Jorge Semedo disse à Lusa que ainda está por clarificar o que aconteceu a 1 de fevereiro e que a decisão da CEDEAO de enviar uma força de apoio levanta "enormes suspeitas", porque o presidente disse que confiava nas forças de de defesa da Guiné-Bissau e não é claro se houve pedido para que essa força fosse enviada. Já o advogado, comentador e ativista Luís Vaz Martins disse ao Financial Times que "o sentimento geral aqui é que este é um falso golpe de Estado" e que Embaló aproveitaria para pedir a proteção à CEDEAO no meio da tensão com os aliados.
Que tensão é essa?
As relações do presidente com o primeiro-ministro - que ele nomeou - não têm sido boas. Na semana anterior ao ataque, Embaló tinha feito uma remodelação governamental, contestada pelo partido de Nabiam, que estaria relacionada com o caso de um Airbus A340 que aterrou em Bissau no final de outubro a pedido do gabinete do presidente e que o primeiro-ministro decidiu impedir de sair alegando suspeita de que teria armas a bordo. Uma análise de peritos externos concluiu que não era o caso, mas não foram dadas mais explicações, tendo a investigação sido ontem arquivada pelo Ministério Público guineense. Também houve polémica depois de Embaló assinar um acordo de partilha de recursos com o Senegal, contestado pelo governo e sem autorização parlamentar.
O ataque à Rádio Capital FM está ligado a esta situação?
Nesta segunda-feira, a Rádio Capital FM foi atacada por homens armados e encapuzados que destruíram material. Sete pessoas ficaram feridas. O sindicato dos Jornalistas falou de uma tentativa de "amedrontar e silenciar" os profissionais e alegou que foram usadas "armas do Estado", com as autoridades a falar de um "ato isolado", um assalto, que não estaria relacionado com a tentativa de golpe. O PAIGC alega contudo que o ataque foi uma "retaliação" às críticas de ouvintes contra o anúncio sobre a força da CEDEAO.
susana.f.salvador@dn.pt