Poupança e investimento
Tal como as empresas, a economia nacional no seu todo também tem a sua contabilidade. A contabilidade nacional inspira-se em parte na contabilidade empresarial mas obtêm-se dela relações que não têm correspondência nas empresas.
Uma dessas relações exprime uma igualdade: a igualdade entre a poupança e o investimento, ou seja, diz-nos que em cada período temporal (ano, semestre, trimestre, o que for) a poupança dum país é sempre igual ao investimento realizado nesse período. Mesmo que no início deste ano os aforradores pensassem poupar ou recorrer à poupança externa num montante muito diferente do valor que os investidores pensavam investir, podemos estar certos de que em última análise a poupança em 2016 será igual ao valor investido no ano. Por "investimento" entende-se aqui o valor das construções e dos novos equipamentos que se instalam e começam a produzir (e também a variação de existências das empresas, mas que pouco papel tem no desenvolvimento económico).
Não é exagero dizer que a igualdade S (poupança) = I (investimento) é quase tão importante para os economistas como a equação de Einstein, E =mc2, é para os físicos.
No entanto, a interpretação da igualdade S = I está longe de ser pacífica entre os economistas.
Uns consideram que o essencial para o desenvolvimento económico é estimular a poupança, porque aumentando a poupança o investimento, que terá de lhe ser igual, virá por arrasto e permitirá assim aumentar a capacidade produtiva do país.
Outros (entre os quais me incluo) consideram que o essencial é aumentar o investimento e que o estímulo à poupança, embora necessário, tem um papel subordinado. Qual, afinal, esse papel?
Para o descobrir, é necessário lembrar que a poupança utilizada num país tem duas parcelas: a poupança interna (realizada pelas famílias, as empresas e o Estado) e o recurso à poupança externa, que pode ser positivo ou negativo (neste último caso, por assim dizer, o país "fornece" poupança a outros países).
Por consequência, se o país pretender investir mais e não aumentar suficientemente a sua poupança interna, então tem de recorrer a maior poupança externa. Esse recurso pode ser realizado de duas formas principais: ou o investimento é estrangeiro e vem acompanhado por financiamento, também ele exterior, e nenhum problema surge para a solvabilidade do país; ou, como sucede na maior parte dos casos, o recurso à poupança externa faz-se através dum aumento do endividamento face ao exterior e o país pode enfrentar no futuro um sério problema de insolvência externa, que afetará em primeiro lugar e de forma normalmente brutal o sistema financeiro.
É interessante comparar estas ideias gerais com o que sucedeu em Portugal a partir dos finais do século passado.
Desde 1998 até 2011 Portugal poupou de menos face ao investimento que realizou. Teve por isso de recorrer muito à poupança externa sob a forma de endividamento, já que o investimento estrangeiro não aumentou. O resultado é que se acumulou dívida externa em montantes tais que temos hoje uma das economias mais endividadas em relação ao exterior.
Desde 2012, deixámos de recorrer significativamente à poupança externa. Mas isso sucedeu porque desde esse ano temos investido muito pouco.
Para termos uma economia competitiva e dinâmica temos de ter o investimento a puxar pela poupança. Mas dado o nosso endividamento externo não podemos esquecer a poupança interna. Naturalmente que um maior recurso ao investimento estrangeiro é necessário para resolver, ao menos parcialmente, este dilema. No resto, a utilização dos fundos estruturais é fundamental e tem de ser agilizada. Assim como é essencial que o destino do investimento seja prioritariamente o dos setores produtores de bens e serviços transacionáveis.
Mas o mais urgente é estabelecer todas as condições para que o sistema financeiro, mais do que no passado, possa funcionar como incentivador do investimento produtivo de que necessitamos e não só impulsionador do consumo ou da compra de habitação.
Economista