Tem o sangue nas mãos de pelo menos 70 cidadãos birmaneses, resultado de uma crescente repressão às manifestações, pelo que o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou a junta militar, e enquanto isso ou exatamente por isso, esta anunciou na quinta-feira uma nova acusação contra a líder deposta e presa, Aung San Suu Kyi: corrupção..Os militares realizaram uma conferência de imprensa na quinta-feira com o objetivo de acusar a mulher que chefiava o governo desde 2016 e cujo partido havia vencido as eleições parlamentares de novembro. Segundo o porta-voz da junta militar Zaw Min Tun, o ministro-chefe de Rangum Phyo Min Thein, detido tal como Suu Kyi, admitiu ter dado dinheiro e mais de 11 quilos em ouro à líder de 75 anos. "Soubemos que a própria Aung San Suu Kyi levou estes 600 mil dólares e o ouro. A comissão anticorrupção está a investigar", disse Zaw Min Tun, sem precisar o que estaria subjacente ao ato de corrupção..A laureada com o Nobel da Paz, detida num local não revelado desde 1 de fevereiro, dia do golpe militar, já enfrentava várias acusações criminais, incluindo causar alarme, posse de walkie-talkies sem licença e a violação das restrições devido à pandemia, ao realizar um comício durante a campanha eleitoral. Está marcada para a próxima segunda-feira uma audiência em tribunal com Suu Kyi. O presidente Win Myint e vários ministros foram também acusados de corrupção. "Já não é invulgar ver calúnias contra políticos e tentativas de aniquilar o partido enquanto jovens inocentes são mortos em público", disse à Reuters Aye Ma Ma Myo, representante da Liga Nacional para a Democracia..A ditadura encabeçada por Min Aung Hlaing endurece a posição contra uma figura que havia perdido o prestígio internacional devido ao seu assentimento relativo à perseguição militar contra a minoria rohyngia, mas que mantém intacta a sua popularidade junto da maioria dos birmaneses, que continuam a sair às ruas a exigir a sua libertação. O ambiente agravou-se a partir de 28 de fevereiro, quando a polícia trocou as balas de borracha por munições letais e o exército juntou-se..Segunda-feira registou-se uma nova escalada: perante uma greve geral, as forças de segurança tomaram universidades e hospitais e retiraram licenças a cinco meios de comunicação. Mais de 70 pessoas foram mortas nas manifestações pacíficas e contam-se mais de 2000 detidos. Mas em vez de dissuadir os manifestantes, a violência cometida pela polícia contra os jovens "enfureceu a nação", comenta Richard Horsey, especialista do International Crisis Group, à Foreign Policy. "As forças de segurança parecem estar a alvejar os manifestantes para matar ao acaso, no que parece ser uma tentativa de intimidar e aterrorizar os demais", disse Horsey..O agravamento das acusações a Aung San Suu Kyi dá-se horas depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter aprovado por unanimidade - incluindo portanto a China, aliada dos militares birmaneses - uma declaração escrita pelo Reino Unido a condenar as ações da junta militar. O Conselho de Segurança exortou as partes a "procurar uma solução pacífica" enquanto denunciou as ações violentas das forças de segurança "contra manifestantes pacíficos, incluindo mulheres, jovens e crianças" e apelou à "libertação imediata de todas as pessoas detidas arbitrariamente"..A possibilidade de se avançar para sanções internacionais não foi mencionada no texto, embora os Estados Unidos já tenham avançado com sanções aos líderes do golpe e mais recentemente contra os filhos de Min Aung Hlaing; espera-se para breve que os militares fiquem sem acesso a mil milhões de dólares de fundos governamentais depositados nos EUA..O relator especial das Nações Unidas Thomas Andrews apresentou entretanto a sua investigação da situação ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, e disse que Myanmar - o nome que os militares deram ao país - está a ser "controlado por um regime assassino e ilegal". Em Genebra, o perito norte-americano disse haver "provas crescentes de que os militares estão agora provavelmente envolvidos em crimes contra a humanidade, incluindo atos de homicídio, desaparecimento forçado, perseguição, tortura". Lembrou que tais crimes só podem ser julgados em tribunal, mas que há provas claras de que os crimes da junta são "generalizados", "sistemáticos" e fazem parte de uma "campanha coordenada", além de estarem a ser levados a cabo com "o conhecimento da chefia superior", incluindo o líder da junta..Também na quinta-feira, a Amnistia Internacional denunciou as "execuções extrajudiciais" e o uso de armas de guerra, em resultado de uma análise a 55 vídeos, filmados entre 28 de fevereiro e 8 de março.