Posse de Lula nas mãos de 11 vedetas da televisão

Com a transmissão em direto das sessões do Supremo, juízes tornaram-se celebridades. Decisão sobre Lula é esperada hoje.
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Ana Cláudia, membro do grupo Movimento contra a Corrupção, caminhava por um centro comercial de São Paulo quando viu uma celebridade: Celso de Mello, o juiz mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF). Abordou-o e pediu-lhe entrevista para a página do movimento no Facebook. Por incrível que pareça, Mello, vestido de polo Lacoste bordeaux, aceitou expor-se e dizer em vídeo que "impeachment não é golpe", contrariando o mantra do governo, e que Lula da Silva "está absolutamente errado" quando acusa o juiz Sérgio Moro, coordenador da Operação Lava-Jato, de desestabilizador. Pelo meio, ainda comentou uma decisão de um dos seus dez colegas, Teori Zavascki, na corte suprema. Em traje de passeio à saída de um restaurante da moda, Dias Toffoli, o mais jovem do tribunal, também afirmara que "impeachment não é golpe". E Toffoli e Mello até têm fama de circunspectos.

Ao contrário de Gilmar Mendes ou Marco Aurélio, por exemplo, que comentam a atualidade jurídica - que se confunde com a atualidade política - quase todos os dias à entrada ou à saída do STF, perante jornalistas confiantes de que da boca deles sairá uma manchete. Os juízes do STF, e não apenas o juiz de primeira instância de Curitiba Sérgio Moro, elevado a justiceiro pela ala antipetista da população e a carrasco pelos que defendem Lula e Dilma, são hoje protagonistas da crise política no Brasil.

Marco Aurélio foi convidado do programa da TV Cultura Roda Viva, onde o entrevistado se sujeita a perguntas de oito jornalistas, duas vezes em seis meses. Na última, criticou os métodos de Moro, defendeu que o empresário Marcelo Odebrecht seja solto, concedeu em entrar num confronto verbal sem substância mas simpático às audiências com um repórter. Dias antes, rebatera em público o colega Gilmar Mendes por este ter suspendido a nomeação de Lula da Silva como ministro da Casa Civil.

Mais tarde, recebeu o troco quando Mendes ironizou a decisão controversa de Marco Aurélio de determinar julgamento na Câmara do impeachment do vice-presidente Michel Temer. "Marco Aurélio está sempre nos ensinando", disse Mendes, o mesmo que considerou, em pleno palanque do STF, sem que ninguém lhe tivesse perguntado nada, que a posse de Lula como ministro era "uma desfaçatez, uma vergonha, uma barbárie". A seguir viajou no mesmo avião que dois barões da oposição, José Serra e Aécio Neves, para um seminário recente em Lisboa.

O julgamento do mensalão contribuiu para a elevação dos juízes da suprema corte a celebridades. A TV Justiça filma, como se fosse um reality show, todas as sessões do STF e as redes de grande audiência retransmitem quando acham justificável. E o caso do processo a José Dirceu e companhia pela compra de deputados era. Os brasileiros acompanhavam o julgamento, torcendo pelos heróis e vaiando os vilões, como se fosse uma telenovela - a segunda paixão nacional. Ainda por cima, dava para recitar os nomes dos juízes de um a 11, como se fossem uma equipa de futebol - a primeira paixão nacional.

Na ocasião, o país chamou Joaquim Barbosa, já retirado, o "Pelé de toga", imperturbável perante os poderosos, e do hoje presidente da casa, Ricardo Lewandowski, que se decidiu pela absolvição de José Dirceu, o juiz ao serviço dos poderosos. Os telespectadores vibravam com as discussões de ambos.

A exposição pode, de facto, criar perversões: numa função que se exige o mais discreta possível, crescem a ânsia de protagonismo e os excessos de antagonismo entre juízes. Os homens e mulheres que vão decidir, em princípio hoje, sobre a controversa posse de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff são quase tão famosos com o ex-presidente. E vão julgá-lo à vista de toda a gente, como se estivessem num palanque.

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