Posição de Portugal sobre Mandela foi "sempre clara"

O Presidente da República, Cavaco Silva, garantiu hoje que posição de Portugal relativamente ao pedido de libertação de Nelson Mandela "foi sempre clara, do princípio ao fim", e que apenas foi recusada a luta armada.
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"Penso que o nosso embaixador seguiu aquilo que era a prática portuguesa, que era recusar a luta armada, tendo presentes os 400 mil portugueses que estavam na África do Sul, a guerra civil em Angola, a guerra civil em Moçambique e o que seria incendiar de guerras toda a África Austral", disse aos jornalistas em Viseu.

Cavaco Silva criticou aqueles que "falam de cátedra, mas nunca conheceram Nelson Mandela".

"Penso que alguns nunca mexeram uma palha para tentar mudar a situação na África do Sul", frisou.

Segundo o Presidente da República, Portugal apenas recusou a luta armada, e não mais do que isso, sendo o resto "manobras políticas internas" que lamenta.

Lembrou que Portugal aderiu à União Europeia em 1986 e foi ele que participou em todos os Conselhos Europeus até 1995 e não "esses que agora falam".

"Participei pelo menos numa dezena de Conselhos Europeus em que se discutiu a situação na África do Sul e o apelo para a libertação de Mandela e outros presos políticos. E a posição de Portugal foi sempre clara, do princípio ao fim. Nós exigimos a libertação dos presos políticos, queremos o fim do 'apartheid', mas não queremos a luta armada", contou.

Em declarações aos jornalistas no final da inauguração da exposição "De propósito - Maria Keil, obra artística", promovida pelo Museu da Presidência da República, Cavaco Silva contou o envolvimento que teve na libertação de Nelson Mandela, dizendo que teve o privilégio de o conhecer, "inquestionavelmente um dos maiores estadistas do século XX", que em 1993 se deslocou a Lisboa.

Durante uma "longa reunião" e depois num almoço falaram sobre o desmembramento do 'apartheid' de forma pacífica, da transição da África do Sul para uma democracia multirracial, do entendimento que ele tinha estabelecido com Frederik De Klerk (sucessor de Pieter Botha), da guerra civil em Angola e em Moçambique e da comunidade portuguesa de África do Sul.

"Nelson Mandela era, em 1993, um homem muito otimista quanto ao futuro da África do Sul. Agradeceu-me o apoio dado por Portugal à sua libertação e à de outros presos políticos e o apoio de Portugal para a transição pacífica da África do Sul para uma democracia multirracial", sublinhou.

Segundo Cavaco Silva, Nelson Mandela estava informado sobre as posições de Portugal e as suas próprias posições na União Europeia.

"Em 1987 eu tinha escrito uma carta ao Presidente da República da África do Sul, Pieter Botha, pedindo a libertação de Nelson Mandela. Penso que o portador foi Durão Barroso", recordou.

Pieter Botha "reagiu muito mal" a esta carta, tendo havido "uma certa tensão entre os dois governos" e "não foi nada simpático na sua resposta", acrescentou.

O PR contou que, em 1988, Pieter Botha deslocou-se a Lisboa para uma reunião consigo, que "correu muito mal": "Foi uma reunião de uma grande tensão, precisamente porque Portugal insistia muito na libertação de Mandela e de outros presos políticos".

Para Cavaco Silva, "o homem que fez a viragem que permite a libertação de Mandela e o fim do 'apartheid' foi Frederik De Klerk".

Em 1989, contou, De Klerk deslocou-se a Lisboa, era então apenas ministro da Educação, e disse a Cavaco Silva "se eu for eleito, eu libertarei Nelson Mandela".

"A partir dessa altura, Portugal passou a defender no seio da União Europeia o presidente De Klerk. Lembro-me de várias reuniões com outros primeiros-ministros dizendo 'este é o homem que devemos apoiar, porque é ele que vai libertar Nelson Mandela, os outros presos políticos e por fim ao 'apartheid'", disse Cavaco Silva, admitindo que "havia um grande ceticismo" quanto à capacidade dele para fazer a mudança.

O Presidente da República frisou que "Portugal insistiu muito e, lentamente", os seus colegas primeiros-ministros de então "foram percebendo que era preciso apoiá-lo".

Lembrou que, em 1993, Nelson Mandela "sublinhou tantas vezes, nessa reunião e durante o almoço, que não queria violência, daí o seu entendimento com Frederik De Klerk".

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