Pós-Pop. Tempos cinzentos que se enfrentaram com explosão de cor
"Tudo o que está aqui é uma espécie de explosão e aquilo que eu fiz foi isso. Explodir". Teresa Magalhães fala assim das suas obras, 30, inéditas, cheias de cor, que podem ser vistas a partir de hoje na galeria principal da Fundação Calouste Gulbenkian. Nasceram à margem da sua formação em Belas Artes. "Os tempos eram altamente cinzentos, era tudo cinzento em Portugal e procurava-se que a vida das pessoas fosse cinzenta."
Teresa, e os amigos, queriam contrariar o clima cinzento, conta, a propósito do primeiro dos seus quadros nesta exposição - o do Mini, de 1970. "A história daquela pintura tem a ver com uma viagem que fiz a Torremolinos. Todos os jovens iam a Torremolinos e nós também tivemos a ideia de ir. Fomos naquele Mini que era conduzido por um amigo e fomos acampar. Foi a perfeita loucura. Só se viam meninas a pedir boleia nos dois sentidos, iam para qualquer lado. Aquela pintura nasceu naquele carro, aquela sou eu. Tirámos fotografias e eu resolvi fazer aquela história porque ela é verdadeira."
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Teresa Magalhães, nascida em 1944, tinha 19 anos quando chegou a Belas Artes. São essas obras criadas ao arrepio do cânone da escola, que a curadora Ana Vasconcelos trouxe para a exposição. A artista explica: "Foi uma reação pictórica e tudo foi construído por mim, sem influências, completamente fora do ambiente escolar, os professores que tínhamos eram péssimos, só tivemos três interessantes". Rocha de Sousa, Manuel Rio de Carvalho, Manuel Baptista, que também está representado na exposição e, ontem, acompanhou a visita guiada.
"Nos anos 60, eu estive em Londres e em Paris, onde tive contacto com os autores da pop americana. Tive o privilégio de ir às inaugurações de Andy Warhol, [Robert] Rauschenberg e foi uma experiência que me enriqueceu", explica o artista.
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Sob as pernas em plexiglas de Lourdes Castro, a curadora Ana Vasconcelos explica ao que vem esta exposição de longuíssimo título - Pós-Pop. Fora do Lugar-Comum. Desvios da Pop em Portugal e Inglaterra, 1965-1975. Onde termina a pop e começa a pós-pop? "Hoje quando estava a guiar, vi uma série de pernas a atravessar a rua, e pensei que era peça da Lourdes Castro. Isto é pop, porque é o momento isolado do dia-a-dia, do efémero. São as pernas que ninguém viu e que o cinema e a fotografia começaram a ver e que a Lourdes vai transformar em objeto artístico".
Para a exposição, a seleção recaiu em 215 obras de 42 artistas, metade da Coleção Moderna do Museu Gulbenkian, britânicos alguns, portugueses a maioria, que estudaram ou passaram por Londres. "São artistas que experimentaram e derivaram, outros recusaram a pop", contextualiza a curadora Ana Vasconcelos.
Onze artistas são mulheres. Entre elas, nomes poucos ouvidos como o de Fátima Vaz, desaparecida prematuramente (1946-1992) e lembrada por Teresa Magalhães às curadoras, e Maria José Aguiar, cujo trabalho em torno do corpo erotizado sobressai nesta exposição. A artista, "que vive retirada no Porto" "foi fundamental nesta fase". "As mulheres, como a Teresa [Magalhães] nos disse, não tinham liberdade social e política", sublinha a curadora Patrícia Rosas.
Sobre esse tema falam as esculturas eróticas de José Cutileiro resguardadas das "crianças" e "das pessoas mais sensíveis", segundo Ana Vasconcelos, na caixa negra Aquarius, um dos três gabinetes de curiosidades que pontuam o percurso da exposição. Reúnem documentação, vestígios de intervenções artísticas do grupo Acre, posters recolhidos por Ernesto de Sousa, fotos de concursos de minissaia, reportagens da RTP, música e capas de revistas eróticas. "Marcam temáticas que envolvem as obras à sua volta". (As outras chamam-se Yé-Yé e Agit Prop).
Entre artistas ingleses representados estão Allen Jones, que recusou o rótulo pop, e Bernard Cohen, com a peça White Plant (1965), da Coleção Berardo, que esteve na Bienal de Veneza em 1966, e teve de sair para entrar uma peça de grandes dimensões de Anthony Caro. "Para ele, isto resumia o que se estava a passar", diz Ana Vasconcelos. "É um artista que se opõe à pop. Dizia que este movimento por ser uma linguagem feita pelos media coarta a liberdade do artista". Foi professor na londrina Slade, a escola frequentada por Ruy Leitão, bolseiro da Fundação, entre 1967 e 1970.
Ruy Leitão "foi aluno de Patrick Caulfield que o considerava um dos seus melhores alunos", diz Patrícia Rosas. "É filho da Menez e morre, muito cedo, aos 27 anos", completa Ana Vasconcelos. "Para alguns é uma promessa não cumprida, mas para mim é bastante cumprida, porque o que ele fez é notável ao nível da criatividade e da cor".
A última das salas, ou a primeira, (segundo se escolha entrar pelo grande auditório ou pelo museu), traz a guerra colonial para a exposição na escultura do soldado morto de Clara Menéres - Jaz Morto e Arrefece , O Menino de Sua Mãe (1973), que só foi mostrada após o 25 de abril. "Os soldados que morriam chegavam durante a noite, a censura não deixava que se dissesse guerra colonial".
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Penelope Curtis aborda José de Guimarães, aqui representado. "Como foi ser artista e soldado?". "Já me têm feito essa pergunta de várias maneiras e eu tenho respostas diferentes". "Artista já eu era", diz, apontando para os restantes trabalhos, anteriores à mobilização para a guerra como engenheiro de telecomunicações. "A primeira coisa que fiz em Luanda foi visitar o museu e saber o que havia lá". Assim conheceu os etnólogos José Redinha, Carlos Estermann e Mesquitela Lima, que o introduziram "àquilo que se pode chamar a cultura africana".
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Foi nessa época que nasceu a peça Retrato de Família, concebida a partir dos caixotes que transportam bens e que foi mostrada no Museu de Angola e muito mal recebida. Trinta anos depois foi escolhida para ser mostrada na Circa 1968, a primeira exposição de Serralves. Conclui o autor: "Esteve no inferno, passou pelo purgatório e agora está no paraíso".