Portugueses resistem a pagar mais pelo turismo sustentável

Para os proprietários de alojamentos são ainda os estrangeiros quem mais se preocupa com as exigências ambientais, apesar de a pandemia ter aumentado o interesse do cliente nacional por essa questão. Fomos conhecer estabelecimentos com o selo ​​​​​​​Green Key.
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Portugal está neste ano, de novo, entre os 20 melhores países no Índice de Turismo Sustentável, da Euromonitor InternationalPortugal, depois de ter recebido, em 2019, o prémio de Melhor Destino Sustentável da Europa, pela ITB Berlim, a maior feira de turismo do mundo. E, no lançamento do Plano Turismo + Sustentável 2020-2030, a autoridade turística nacional garantia que "a sustentabilidade no turismo é um caminho incontornável". Será já uma tendência adotada pelo cliente português?

Segundo a última lista do Green Key, o galardão internacional que promove os estabelecimentos que praticam turismo sustentável, há no total 125 hotéis e alojamentos em território nacional que se distinguem pela adoção de práticas ambientais, isto é, medidas que cumpram critérios como eficiência hídrica e energética, uso consciente dos recursos naturais, reaproveitamento de resíduos e prática de um comércio local e ético, bem como a inclusão da comunidade.

Ter um negócio rentável, salvaguardando as necessidades do ecossistema, parece para muitos uma utopia. Mas é possível. Quem o diz é Paula Mira, proprietária e arquiteta do Agroturismo de Xistos, em Beja.

"Uma pessoa que trabalha com o sol, com o vento e com a lenha, que passeia turistas a ver plantas, florezinhas e passarinhos - ao princípio achavam que era louca e que não ia ganhar dinheiro suficiente a fazer isto", conta, "claro que deu muito trabalho ao início, perceber como é que tinha de coordenar a maquinaria toda que depende da natureza, mas aprendeu-se e é o caminho". Assim que abriu portas em 2016, Paula recebeu a certificação do Green Key e na altura era a única no Alentejo. Hoje há apenas mais cinco estabelecimentos também certificados na região.

"As pessoas acham que é caro ser sustentável, que é uma moda e é preciso investir muito dinheiro", acrescenta Camile Maia Ferreira, CEO e co-fundadora do Eco Soul Ericeira GuestHouse.

Encara as despesas das políticas sustentáveis como um investimento a longo prazo - "é lógico que não é a mesma coisa comprar um aquecedor de água elétrico, muito mais barato, do que comprar uma caldeira de energia de biomassa. É muito difícil convencer alguém a gastar seis vezes mais para o mesmo retorno de água quente, mas o custo que é tirado do meio ambiente, de matéria-prima e recursos que estamos a roubar às gerações futuras, não entra quando fazemos essa conta e é por isso que as pessoas não conseguem entender que sai mais económico a longo prazo investir na sustentabilidade hoje", explica a proprietária.

Se do ponto de vista de muitos empresários o turismo sustentável parece ter um custo associado que não querem suportar, o contributo ecológico dos estabelecimentos turísticos ainda não é uma bandeira que pese o suficiente na hora da tomada de decisão do português, ao contrário do que pensa quem vem de fora.

Para Rudi Azevedo - diretor do grupo Jase Hotels, incluindo o Douro Palace Hotel Resort & Spa, também galardoado com o Green Key e nomeado para o World Travel Awards na categoria Green Hotel -, essa preocupação ambiental é muito mais nítida nos turistas estrangeiros e não tanto no mercado nacional: "Quando temos solicitações dos mercados sobretudo nórdicos, perguntam-nos quase sempre quais são as nossas políticas ambientais e quais os certificados que temos, mas ainda não sentimos isso com os portugueses".

No entanto, segundo o porta-voz, "não foram as políticas ambientais do hotel que proporcionaram que as taxas de ocupação durante a pandemia se mantivessem nos 70-80%, mas antes o "fator Douro" - uma zona mais isolada e mais distanciada dos grandes centros urbanos", explica Rudi Azevedo.

Na Madeira, essa diferença é também sentida no Fajã dos Padres, alojamento localizado numa encosta a sul da ilha e orgulhosamente "sem carros", já que os seus únicos acessos se limitam ao barco ou ao teleférico. Antes da pandemia, os visitantes eram sobretudo estrangeiros - "eles próprios eram capazes de ir à praia e recolher lixo que por lá encontrassem", conta Patrícia Jardim Fernandes, atual representante da propriedade que está na sua família há um século.

Com os sucessivos confinamentos e imposições que limitaram as viagens, houve um boom de turistas madeirenses e portugueses continentais, que outrora "não se interessavam por este tipo de turismo", afirma. Uma resistência que vai diminuindo, mas que ainda se mantém nos dias de hoje: "Nós notamos que os portugueses têm muito mais dificuldade em termos económicos em ficarem aqui, mesmo não sendo preços muito altos, um português não está disposto a pagar por isso", admite Patrícia.

O mesmo se verifica nos Açores. Gilberto Vieira, da Quinta do Martelo, unidade pioneira no Turismo Rural e de Natureza no arquipélago, reconhece que "os estrangeiros estavam à frente", em termos de clientes, embora os portugueses se tenham "aproximando em termos percentuais e, presentemente, tendo em conta as circunstâncias vividas, estão acima. Mas ambos procuram "o contacto com a natureza em formas surpreendentes".

Conquistar o português também passa pela canalização de maiores apoios para pequenos e médios projetos que tentam vingar neste conceito turístico ainda numa fase de arranque no país, de acordo com Paula Mira, do Agroturismo de Xistos. "O Turismo de Portugal precisa de ajudar estas organizações, porque nós temos um país "fabulástico", com uma oferta incrível, e o próprio turista, até o português, vai começar a optar por isto".

Apostar na potencialidade do teletrabalho e no surgimento dos chamados nómadas digitais, isto é, jovens adultos que viajam enquanto trabalham remotamente, é outra faceta ainda muito pouco explorada pelas empresas empregadoras em Portugal, enquanto já é praticada pelos estrangeiros. "Um colaborador motivado e feliz é a melhor coisa que há e as pessoas produzem muito mais num sítio fantástico, a ver um pôr de sol único em vez de enjaulados num apartamento mínimo em Lisboa", afirma a arquiteta.

Apesar de haver um longo caminho a percorrer para a sensibilização do cliente típico português para este conceito de turismo, os operadores nacionais são unânimes na crença de que a sustentabilidade turística já não é o futuro, mas cada vez mais o presente.

*Texto editado por Teresa Costa

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