Portugueses gastam mais na saúde do que maioria dos europeus

Relatório da Primavera aponta desigualdades no acesso a medicamentos, saúde oral e mental. Faltam medidas estruturais no terreno
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Para se manterem saudáveis, os portugueses têm de pagar mais do que a maioria dos europeus. Esta é uma das conclusões do Relatório da Primavera 2017 "Viver em tempos incertos: sustentabilidade e equidade na saúde", que aponta que tal como outros governos, este também produziu muita legislação no primeiro ano de governação mas não houve efeito semelhante no terreno com medidas estruturais.

O documento, produzido pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde - uma parceria da Escola Nacional de Saúde Pública, da qual fazia parte do atual ministro da Saúde, do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, da Universidade de Évora e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa - conclui ainda que permanecem barreiras relevantes no acesso.

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O relatório, que será apresentado hoje, refere que apesar das melhorias no estado de saúde da população, as desigualdades mantêm-se. Recorrendo a comparações europeias, o Observatório aponta que houve uma "diminuição do financiamento público da saúde e o aumento das despesas financiadas através de out of pocket (pagamentos diretos) por parte dos portugueses". Acrescenta que "para se manterem saudáveis, os portugueses gastam muito mais do seu próprio bolso do que a maioria dos europeus".

José Aranda da Silva, um dos responsáveis do relatório, lembra que em Portugal o investimento na saúde durante os anos de crise diminuiu, ao contrário do que outros países europeus fizeram. "A nossa percentagem da despesa em saúde, que era acima da média europeia, hoje está abaixo e já com valores bastante significativos. O que é mais grave, aumentou a parte paga diretamente pelas famílias e pelos cidadãos", aponta.

E exemplifica: "No nosso país, 40% da despesa com medicamentos são suportadas diretamente pelos cidadãos, quando na maior parte dos países anda à volta dos 15 a 20%. Isso é preocupante. Temos um sistema que cada vez menos está a investir em saúde porque cada vez mais os cidadãos estão a pagar pela saúde, o que leva a que as camadas populacionais com menos recursos comecem a ter dificuldades em aceder ao sistema de saúde", diz.

O que leva a outro alerta do relatório. "As barreiras no acesso aos cuidados de saúde permanecem relevantes em Portugal e marcadas do ponto de vista socioeconómico" e que "os mais pobres continuam a ter menor utilização de consultas da especialidade, face a necessidades iguais". Iniquidade "particularmente marcada" no acesso à saúde oral, à saúde mental e a medicamentos. "Os resultados que se viram no estudo da equidade, tanto no acesso como na utilização, demonstram que é muito preocupante a situação. Há uma camada de população que tem acesso porque tem seguros privados e outra que não tem acesso", refere Aranda da Silva.

Sobre a produção legislativa, o documento diz que ao grande volume de produção legislativa do primeiro ano de governação "não parece terem correspondido medidas estruturais de igual envergadura", das quais Aranda da Silva destaca a reforma hospitalar (ver entrevista). Ainda sobre esta questão, o relatório salienta algumas apostas como o Programa Nacional de Educação para a Saúde, a liberdade de escolha, o aumento das unidades de saúde familiares e o "reforço tímido" de camas nos cuidados continuados.

Cuidados paliativos incipientes

É preciso mais intervenção do ministério para ultrapassar "as crónicas dificuldades" que a rede enfrenta e que passam pela persistência de taxas de cobertura muito assimétricas por região ou tipologia. Existem poucas equipas domiciliárias com horários que não garantem a continuidade dos cuidados, com algumas a funcionarem quatro horas por dia. Há uma baixa taxa de doentes referenciados admitidos em cuidados paliativos e o tempo de sobrevivência pós-admissão é baixo. "O doente é admitido muito próximo ou já em fase de morte iminente", diz o relatório.

Uso de antibióticos pode estar a subir

Ao nível da política do medicamento, enquanto dimensão estrutural dos cuidados de saúde, o relatório realizou uma análise sobre o consumo de antibióticos e aparecimento de resistências bacterianas, onde Portugal apresenta maus resultados. O documento destaca "uma tendência de crescimento do "rácio do consumo de antibióticos", sugerindo um agravamento do padrão de consumo, ao longo dos últimos anos e ainda que a resistência aos antibióticos podem ser influenciadas não apenas pelo consumo absoluto de antibióticos, mas também pelo consumo elevado de antibióticos de largo espetro".

Recomendações para melhorar SNS

O Observatório defende a criação de orçamentos plurianuais que permitam uma visão de médio prazo e revertam o subfinanciamento crónico, tal como "um modelo de financiamento dos hospitais que apenas centrado em indicadores quantitativos de volume mas dando maior relevância a indicadores de qualidade e de avaliação dos resultados obtidos". Acrescenta que "são urgentes medidas que combatam todas as formas de desigualdade que ainda persistem no acesso aos cuidados de saúde" sobretudo entre os mais carenciados, com particular destaque para as áreas de saúde mental e oral e medicamentos.

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