Português precavido: garrafão, gasolina e ansiolítico
Precaver. Verbo difícil de conjugar. Como podem os portugueses precaverem-se da greve por tempo indeterminado dos camionistas de combustíveis marcada para 12 de Agosto, hoje, dia 26 de Julho?
Já tem o seu depósito pessoal de gasolina?
Temo pelos condomínios. Pelas garagens. Pela manipulação de combustíveis por todo lado - junto a telemóveis, a pequenas zonas de faíscas invisíveis, a derrames acidentais...
Voltemos ao princípio. O ministro Pedro Nunes Santos alertou: temos tempo para evitar os efeitos da greve. Precavendo-nos. Como?
Imagine que vai de férias em Agosto. Como precaver-se para o combustível que vai precisar depois do dia 12?
Tirando situações de emergência, andar com combustíveis nas malas dos automóveis, ou colocá-los em casa, é proibido. Foi isto que o ministro quis dizer?
Já agora, com tanto pirómano, quanto mais normal for ver gente a ir buscar combustíveis com bidão de mão, mais simples se torna distribuir combustíveis por todo o lado (incluindo junto às florestas...)
Ser de esquerda não significa ser refém de todas as reivindicações. Se a greve assegurar, apesar de tudo, a tal lista de 333 postos de abastecimento por todo o país, talvez tenha sido garantido o mínimo dos mínimos. Ver-se-á. Mas é evidente que, num tema tão brutal para todos os setores do país, a diferença entre o "bloqueio da atividade" de distribuição ou o "bloqueio do país" tem de ser discutida mais a fundo. Porque, com o medo de enfrentar o tabu da "greve", também se atribui um poder totalmente desequilibrado a alguns grupos de trabalhadores - por oposição a todos os outros que não afetam tanto a sociedade ou as entidades patronais.
E isto é particularmente brutal não apenas nos camionistas, mas sobretudo nas empresas cujo patrão é o Estado. Isso verifica-se constantemente nas empresas de transportes públicos, como todos sabemos. Não foi, aliás, por acaso, que milhares de pessoas passaram literalmente a abominar os transportes públicos, tantas foram as vezes que compraram o passe sem o poderem usar. Ou viram os seus empregos em risco se não tivessem um plano B - um automóvel. Que, natural e rapidamente, se transformou no plano A ao longo dos anos.
Por mais que custe, o direito à greve tem de ser respeitado. Por todos as partes. Mas qualquer paralisação que afete 50% dos serviços públicos essenciais já tem um tremendo impacto. Quando se pretende chegar aos 100%, como tantas vezes acontece, torna-se difícil fazer coexistir o direito à greve com a agressão absoluta dos cidadãos ou do funcionamento de um país.
Esta é uma das discussões mais difíceis numa sociedade, mas conceitos indeterminados como o "direito à greve" não são figuras jurídicas estanques e paradas no tempo. O direito à greve nasceu - e ainda bem que assim foi - nas duras lutas sindicais no início do século XX - mas desde aí até hoje, aquele que era um poder de resistir a uma opressão absoluta, também se transformou nalguns casos no poder de imprimir uma humilhação a quem precisa de determinado trabalho realizado.
Portanto, "serviços mínimos" é um conceito essencial de definir cada vez melhor, sob pena de, um dia, haja quem queira acabar com um direito que costumava ser, por definição, o último recurso de luta de quem não é respeitado.
Lamento, mas caro advogado Pardal, isto vai acabar mal. Os portugueses ficaram espantados e solidários com os motoristas em Maio - o que ganhavam era miserável. Mas, depois dos 300 euros de aumento previsto para o início de 2019, que os motoristas aceitaram em Maio, porquê isto outra vez?
Não devemos aceitar esta chantagem. Espera-se que os tribunais - que vão decretar qual a medida dos serviços mínimos -, tenham os pés no chão e não a cabeça em doutrinas jurídicas que ninguém sabe muito bem qual o momento concreto em que foram definidas e qual o equilíbrio de forças em jogo. Como se os tribunais só soubessem olhar para trás e nunca para o presente ou futuro.
Entretanto, a maioria dos portugueses sonham comprar um carro que tenha menos impacto nas alterações climáticas e não abasteça numa bomba de combustíveis. Por isso mesmo estes trabalhadores estão, infelizmente, a fazer a sua própria cova de forma acelerada. Porque os patrões mudarão de negócio quando o mercado se alterar. O advogado Pardal voará para outra representação rentável, à boleia da notoriedade pública. Mas estes motoristas, a prazo, ficarão cada vez mais sozinhos e sem o respeito de ninguém.