Português detido duas vezes "de forma ilegal" e proibido de fazer queixa em Cabo Verde
Pela quarta vez consecutiva, a família Parra elegeu Cabo Verde e uma unidade hoteleira do grupo Oasis para as suas férias, mas quando embarcaram em Lisboa estavam longe de imaginar o que iria suceder.
Duas detenções policiais consecutivas, a impossibilidade de registar uma queixa na esquadra, com a polícia a deixar a sua mulher e filhos sozinhos a caminhar pelas ruas de Santa Maria, na ilha do Sal, em plena noite cerrada.
Nuno, a mulher e os dois filhos, um menino de 13 anos e uma menina de 7, projetaram para a semana de 9 a 16 de setembro o período ideal para retemperar energias antes de enfrentarem mais um ano de trabalho ou de escola, no caso dos mais novos.
Mas as coisas não correram bem. Tudo começou logo ao segundo dia, mas foi no fim que a situação se complicou.
"Sexta-feira ao final da noite, véspera de deixarmos Cabo Verde, desloquei-me à receção e pedi a um funcionário, com o nome de Danilson Centeio, para fazer o checkout no dia a seguir mais tarde do que o que está determinado (11.00), pois tinha voo apenas às 23.55. O mesmo funcionário disse-me que até às 18.00 podia garantir, mas para depois dessa hora seria melhor deslocar-me à receção na manhã seguinte. Assim fiz, mas quando me desloquei à receção na manhã seguinte disseram-me que tinha mesmo de deixar o quarto às 11.00", explica ao DN Nuno Parra.
"Ao pequeno-almoço cruzei-me com uma relações-públicas, a D. Hudha, que me disse que tinha instruções no sentido de eu ter de abandonar o quarto pelas 11.00. Ainda pedi que contactasse o funcionário que me tinha garantido o horário das 18.00 e enviei, como medida de precaução, um sms ao diretor-geral, Bruno Solas, que eu já conhecia de visitas anteriores. Não saí às 11.00 e por volta das 14.00 vejo um segurança em frente ao nosso quarto. Eu ainda lhe perguntei se estava naquele local por nossa causa e ele negou. Às 16.00 surge a D. Hudha e o funcionário Danilson, o mesmo que tinha assegurado as 18.00, para nos dizer que teriam de cobrar uma taxa de late checkout no valor de 75 euros. Disse que não pagaria porque não era justo e porque me tinham garantido outra coisa no dia anterior", conta, ressalvando que a taxa de 75 euros era "até às 21.00 e não até às 18.00".
E é aqui que o problema deixa de ser apenas um conflito entre um hotel e os seus clientes. "As coisas chegaram a um ponto em que nos informaram que ou pagávamos ou chamavam a polícia por indicação da direção do hotel, que nunca deu a cara, mesmo após várias solicitações nossas. Após falarmos com a polícia, ainda no hotel decidiram levar-nos para a esquadra, com a minha filha em pânico e a chorar. Eu estava longe de sonhar para o que íamos e o tratamento que nos esperava", relata, antes de ir mais a fundo na descrição.
"Numa sala improvisada, o comandante Orlando Évora ouviu o funcionário Danielson, que falou em nome do hotel, e depois deu-me a palavra. Ao fim de 20 segundos interrompeu-me dizendo que já tinha ouvido tudo da minha parte, que tinha um relatório do hotel e não precisava de ouvir mais nada. E avisou-me que ou pagava ou ficava preso até ao dia seguinte e perdia o avião. A minha esposa é advogada e, por isso, pedimos para apresentar queixa, o que não nos foi permitido pelo comandante. Sentimo-nos discriminados por sermos portugueses. Aceitei, finalmente, pagar e ser roubado, perante o estado emocional em que nos encontrávamos. Decidimos regressar ao hotel, mas o comandante mandou a minha mulher e os meus filhos regressarem ao hotel sozinhos num percurso de dois quilómetros. Eu tive de ficar à espera do carro-patrulha", sublinha.
Mas a situação ainda podia piorar. "Quando cheguei ao hotel, e como a minha esposa não estava na receção para proceder ao pagamento, o comandante encostou-se a mim, ordenou para o acompanhar em silêncio e, torcendo-me o braço em simultâneo, perante toda a gente, voltou a meter-me no carro-patrulha de volta à esquadra. Ainda pedi para ele esperar um pouco, que a minha esposa estava a caminho da receção, porque estava a dar de jantar aos meus filhos, mas ele obrigou o agente a arrancar com o carro quando a minha esposa já estava na receção e ele sabia e viu que ela já estava. Após a esquadra ter sido informada do pagamento por parte do hotel, ainda estive detido durante mais 20 ou 30 minutos. Precisava de voltar ao hotel para apanhar o transfer de modo a chegar a tempo do avião, mas disseram que não tinham carro para me levar e que se quisesse que fosse a pé. No hotel, a minha mulher pediu o livro de reclamações, mas o mesmo demorou muito tempo a chegar..."
Contudo, há um pormenor que o faz duvidar ainda mais das boas intenções do responsável pela esquadra: "Nunca me pediram o cartão de cidadão ou o passaporte, eu não assinei nenhum auto, fui detido duas vezes de forma ilegal porque não há qualquer registo das minhas detenções."
Confrontado com esta denúncia que inclui várias acusações ao seu modus operandi, e após diversas tentativas de contacto para seu telemóvel e para a esquadra que dirige, o comandante Orlando Évora foi taxativo: "Não quero falar sobre nada, denúncias são no tribunal. Não tenho nada para dizer", disse, desligando de imediato.
Voltamos agora atrás para perceber que as coisas começaram a não correr bem logo ao segundo dia. "No domingo, tudo impecável, mas na segunda-feira, num jantar temático, o primeiro prato era peixe, que não pedimos a totalidade porque as crianças não gostam muito. Depois veio a carne e eu pedi à colaboradora que nos servisse mais umas fatias para as crianças. Realço que estava num hotel de cinco estrelas em regime de tudo incluído. A senhora recusou dizendo que por indicação do chefe não podiam servir mais. Pedi a presença do chefe, que não chegou, apareceu um relações-públicas que apenas registou o sucedido. Nos dois dias a seguir quiseram compensar com champanhe, outro jantar temático, fruta, e nós recusámos tudo, só queríamos uma justificação da direção", relata.
O clique que pode justificar o final de férias atribulado deu-se mais tarde. "Na praia, o meu filho tinha feito amizade com dois miúdos locais. Como nos perguntavam constantemente de que forma nos podiam compensar, eu disse à dona Hudha, a relações-públicas, que gostava de ter aqueles dois miúdos no hotel o dia inteiro. Ela disse que era uma excelente ideia, mas não deu uma resposta final porque tinha de confirmar a possibilidade superiormente. Na noite de quinta-feira, ao jantar, vejo um senhor trajado de forma diferente. Pedi para o chamarem, ele disse que era subdiretor. Perguntei sobre a questão dos dois miúdos e ele confirmou-me que estava a par da situação, não podia permitir que fosse free [gratuito] mas que podia fazer desconto. Eu agradeci a atenção e disse que pagava sem desconto. E ele disse que esperava ter sido útil. Eu respondi que útil não tinha sido mas que agradecia a sua presença. E aqui deu-se o clique, porque ele não gostou da resposta, ficou visivelmente chateado", refere Nuno Parra sem querer afirmar taxativamente uma ligação entre este episódio e as duas detenções de que foi alvo.
Nuno Parra não vai ficar por aqui. "Não quero que mais ninguém passe por isto, por isso faço esta denúncia. Já fiz uma exposição detalhada do que se passou em Cabo Verde ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Embaixada de Portugal em Cabo Verde e à Embaixada de Cabo Verde em Portugal. E quero que a minha família seja ressarcida de tudo isto. Vou até ao fim, pois quero ser reparado pelo que aconteceu."
O DN tentou ouvir ainda Bruno Solas, diretor-geral do grupo Oasis, que, via telemóvel, disse que "não" tinha "interesse em esclarecer" o que quer que fosse. O DN enviou na passada sexta-feira, 21 de setembro, pelas 19h46, cinco perguntas a Alexandre Abade, CEO da mesma cadeia de hotéis, mas não obteve qualquer resposta.