Portugal vai continuar a oferecer "borlas" aos turistas nos Açores?
A SATA está desde 2015 obrigada a transportar gratuitamente turistas nos voos interilhas dos Açores, esclarecendo o site oficial eventuais dúvidas relativas ao designado "serviço de encaminhamentos".
Pela condição periférica dos Açores e da Madeira, os seus residentes beneficiam de condições especiais de transporte nas ligações com o continente, assumindo o Estado os "custos de insularidade". No modelo relativo às ligações entre o continente e os Açores, vigente até 2015, bem como entre esta região e a Madeira, os residentes beneficiavam de tarifas reduzidas, recebendo as companhias operadoras posteriormente "indemnizações compensatórias" relativas aos descontos efetuados (modelo de subsídio ao bilhete).
Em 2015, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 80A/2015 substituiu este modelo por outro que prevê um subsídio social de mobilidade, através do qual os residentes pagam diretamente às companhias as tarifas públicas, sendo posteriormente ressarcidos dos respetivos valores através dos CTT.
Ainda neste quadro de alterações as rotas do continente para São Miguel e Terceira foram liberalizadas.
No âmbito desta liberalização, foi estabelecido um valor limite de 16 milhões de euros de transferências anuais do Estado para o governo regional dos Açores para suportar os custos com o subsídio social de mobilidade, com o transporte de carga e correio, e ainda para compensar a SATA pelos encaminhamentos no interior da região. A companhia dos Açores é a única a operar as ligações diretas ao continente e não liberalizadas (Santa Maria, Pico e Faial) bem como os serviços interilhas (São Miguel, Terceira, Santa Maria, Horta, São Jorge, Pico, Graciosa, Flores e Corvo)
A easyJet comunicou publicamente, ainda em dezembro de 2014, a abertura de voos para São Miguel, seguindo-se o anúncio da Ryanair que voaria não só para São Miguel mas também para a Terceira. A TAP e a SATA não ficaram a "ver os comboios" e reforçaram também a sua operação para estas ilhas. Porém, a situação não está ainda estabilizada pois a easyJet já anunciou o abandono dos Açores a partir do final de outubro.
Estas movimentações provocaram uma animação inédita no mercado local dinamizando um súbito crescimento do turismo na região.
Parece, no entanto, estranho que o modelo dos "encaminhamentos" que, além da originalidade de contemplar viagens gratuitas suscita, no mínimo, fortes dúvidas.
Se é compreensível a preocupação de proporcionar um crescimento harmonioso do turismo em toda a região não é fácil de compreender que o poder político, nacional e regional tenha posto no mesmo saco: condições para os residentes ao abrigo do subsídio social de mobilidade, transporte de carga e correio e oferta de viagens gratuitas aos turistas nas ligações interilhas.
Alegar-se-á que a SATA será compensada pela sua bondade. Mas só em teoria, porque se o valor resultante da aplicação dos diversos critérios ultrapassar o limite de 16 milhões, será esta companhia a suportar integralmente as viagens dos turistas nacionais a estrangeiros transportados para os Açores pelas suas concorrentes.
Não é público se, pelo comportamento do tráfego ao longo de 2017, aquele valor vai ser ultrapassado. Porém, pelo aumento global do tráfego para os Açores e pelas expectativas do mercado local (que constatei diretamente em São Miguel em agosto), o limite dos 16 milhões deverá ser já insuficiente em 2017, tendo os cofres da SATA de suportar montantes certamente significativos.
Acresce que nos períodos de maior procura os voos interilhas enchem-se de turistas e, ou a SATA reforça a sua operação, com custos adicionais, ou não há lugares para os passageiros locais ou outros não abrangidos pelo modelo de encaminhamentos, ou seja, aqueles que podem trazer receita à companhia.
Segundo a comunicação social, a Ryanair manifestava em meados de 2014 o seu "interesse em lançar rotas para os Açores" adiantando a necessidade de "o governo resolver a liberalização e encorajar as companhias aéreas". Anunciando a companhia irlandesa poucos meses depois a abertura dos voos para os Açores, é lógico concluir que foi devidamente encorajada.
Como compreender que uma companhia estrangeira, que anunciou um lucro na ordem dos 400 milhões de euros no primeiro trimestre de 2017, precise de "borlas" do Estado português para os seus clientes. Além do mais utilizando uma companhia nacional que não tem, de acordo com a imprensa dos Açores, uma saúde financeira muito saudável.
É verdade que nós portugueses gostamos de receber bem, mas não será exagerada tanta generosidade?
Profissional de transporte aéreo