Portugal trabalha mais, recebe o mesmo, e vínculos continuam precários
Há quatro anos, no final do programa de ajustamento da troika, mais de três terços dos trabalhadores com vínculos temporários em Portugal esperavam ainda por contratos mais seguros. Em 2018, a recuperação económica entrou "em terreno sólido", mas o cenário de precariedade não se alterou. Não só os jovens, mas uma parte significativa dos trabalhadores mais velhos, enfrentam condições piores - sobretudo nos salários - em função dos vínculos mais ténues que se instalaram no país.
O retrato é traçado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no primeiro relatório que produz sobre o mercado laboral desde 2013: "Trabalho Digno em Portugal 2008-2018: da crise à recuperação", apresentado esta terça-feira, com o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva. A OIT admite que houve algumas medidas positivas para mitigar a precarização por comparação com os anos em que o país era "o campeão europeu" das renovações a prazo. Mas o que foi feito ainda não chega.
"A segmentação do mercado de trabalho é generalizada, com largos números de empregos temporários. Empregos estáveis e seguros encontram-se particularmente racionados nos grupos jovens, apesar das suas crescentes habilitações", afirma o documento da organização.
Entre as gerações mais jovens, a taxa de emprego temporário atinge 59%. Mas também entre os trabalhadores com idades compreendidas entre os 25 e os 55 anos se mantém elevada, sendo de 16% no ano passado, cita o relatório.
Até 2014, Portugal era o quarto colocado europeu na lista de países com uma maior percentagem de contratados a prazo que gostariam de ter outro vínculo - mais de 75%, apenas atrás de Chipre, Espanha e Grécia.
O documento da OIT sublinha também as conclusões do inquérito Eurofound Working Conditions Survey, segundo o qual os contratados a prazo enfrentam piores condições de trabalho de uma forma geral, seja nos salários, na qualidade das instalações onde trabalham, ou perspetivas. "A maior diferença está nos rendimentos, com os trabalhadores que têm contratos regulares a receberem em média 37% mais do que os que têm contratos a prazo".
A segunda grande diferença está nas perspetivas de progressão, que são menores, ao contrário das de despedimento. Estes trabalhadores gozam também de menos autonomia, e de menos oportunidades de formação. Com a proporção de trabalho temporário "a manter-se significativa", as baixas oportunidades para enriquecer competências "correm o risco de traduzir-se em mais baixa produtividade e competitividade, afetando a produtividade geral do país", alerta a organização.
Mas, mesmo com vínculos laborais que permanecem fracos, o país trabalha cada vez mais horas. Entre 2009 e 2016, os portugueses acrescentaram em média mais uma hora à semana de trabalho, numa situação que afeta sobretudos as mulheres, nota a OIT. Há também mais quem faça horas extra. Mas, apesar da pressão do aumento de horas trabalhadas, os salários não sobem.
"Os salários têm-se mantido praticamente estagnados em termos reais e são agora baixos por comparação com as médias da UE, apesar de subidas consistentes do salário mínimo terem contribuído para um ligeiro declínio da desigualdade", descreve o relatório. Na receita da OIT para potenciar salários e estabilidade no emprego, a organização recomenda manter o foco na negociação coletiva e no diálogo com os parceiros sociais. Mas sugere também que é necessário mais investimento - privado e público.
A organização nota um aumento do crédito às empresas no ano passado - pela primeira vez desde 2011 - mas diz que "a maior parte das empresas parece hesitante em pedir emprestado para investir".
Já no Estado, "mantém-se alguma necessidade de prudência fiscal", mas "a curto prazo deve ser explorado qualquer espaço para expansão fiscal".
"As tentativas para reduzir a dívida externa não devem comprometer o investimento público, cuja taxa foi de 1,8% do PIB em 2017 - um nível historicamente baixo. A despesa pública em investimento pode atrair investimento privado produtivo".