Portugal tem de voltar a apostar na agricultura

João Carpinteiro é colecionador de máquinas fotográficas antigas e ex-autarca de Elvas
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Para quem caminha pela vida rodeado de ruralidade o campo ainda é o que era antes da crise estrutural em que mergulhou a agricultura. "Andámos anos demais de costas voltadas para o campo e estamos ainda a pagar a fatura dessa má opção dos orgulhosamente sós." Quem o diz é João Carpinteiro, alentejano de Elvas e filho de agricultor, apontando, sem surpresa, a sua ideia para o país: "Portugal tem de voltar a apostar na agricultura que deu tanto à nossa economia. E se a nossa economia precisa de atividades que a façam crescer".

A conversa decorre pelas salas do museu onde este antigo presidente da Câmara de Elvas exibe uma imensa coleção de máquinas fotográficas que juntou ao longo de meio século. Tem mais de mil, estando a maioria patentes ao público no interior de vitrinas. João Carpinteiro sabe a história de cada câmara.

Quem havia de dizer que a oferta de uma máquina fotográfica de 1912, por uma colega de vereação na autarquia elvense, haveria de ser apenas a primeira peça desta coleção singular. A partir daqui nunca mais parou. Passou a ser cliente assíduo na Feira da Ladra, onde encontrou câmaras improváveis, como um protótipo da Kodak, de 1888, único no mundo, segundo revelaram os representantes do Instituto Português de Fotografia de Lisboa quando foram a Elvas classificar as máquinas para a instalação do museu. "Comprei-a por mil escudos (cinco euros) na Feira da Ladra", recorda.Também haveria de encontrar equipamentos "valiosos" na vizinha cidade de Badajoz, embora nos tempos mais recentes tenha sido surpreendido com várias ofertas que fazem deste colecionador uma espécie de "fiel depositário" de câmaras cujos donos já partiram. "As pessoas morrem e as famílias vêm cá entregar os equipamentos, porque sabem que há alguém que os vai guardar e estimar", justifica.

A variedade é tanta que João Carpinteiro tem dificuldade em destacar meia dúzia de equipamentos. Mas lá decide dar especial ênfase a uma recente oferta do fotógrafo Eduardo Gageiro, traduzida numa lanterna mágica do século XIX, de onde saíam as projeções de filmes desse tempo. E recorre aos cadernos de visitas para sublinhar o êxito da sua aventura com números: em 14 anos o museu já recebeu 60 mil pessoas oriundas de 59 países.

Mas há novidades para breve. Enquanto fala com o DN mostra um particular entusiasmo com mais umas câmaras históricas que estão prestes a chegar. "Isto nunca para. É sempre a correr", diz, depois de há uma semana ter saído a correr das férias no Algarve para regressar a Elvas a tempo de assistir à maratona fotográfica que organizou na cidade já com presenças de nomes internacionais.

Mas porque a história da fotografia não é feita só com máquinas, Carpinteiro também mostra rolos, fotómetros, guilhotinas, ampliadores, projetores. "Juntei tudo isto ao longo de mais de 40 anos", congratula-se, na esperança de que o museu que deu à cidade também ajude a "embalar" a atração turística.

Acredita que o turismo pode ser uma saída interessante para impulsionar a economia do Interior no "imediato". "O Alentejo tem que aproveitar este impacto do setor turístico no país para se projetar. É agora que podemos tratar de viabilizar o crescimento da economia para os tempos mais próximos. Em Elvas temos Espanha aqui ao lado e uma cidade com 200 mil habitantes", insiste, admitindo que Portugal "respira aparentemente" melhor do que nos tempos da troika, quando João Carpinteiro encontrava regularmente pessoas "sufocadas com cortes nos salários e exigências fiscais". Mas recomenda "cautelas". E prefere esperar pela confirmação das anunciadas "melhorias" por parte do ministro das Finanças.

"No fim é que se fazem as contas", relembra, enquanto volta a olhar os campos para puxar pelo setor agrícola. Recua aos tempos em que só a fábrica de tomate lá da terra empregava 600 pessoas e trabalhava 24 horas por dia. "Temos a azeitona, a vinha, a ameixa, o trigo e muito mais de grande qualidade. Sei que muita gente tem hoje um certo arrependimento pelo abandono da terra", sublinha, admitindo residir aqui um dos aspetos "negativos" da entrada na União Europeia. Seguiu-se o desemprego e a desertificação com os filhos da terra a procurarem novas oportunidades noutras paragens. "

Mas agora a Europa volta a apoiar a agricultura e isso é um sinal de otimismo. Permite pensar que o futuro possa ser melhor", diz, declarando-se um inequívoco defensor da presença de Portugal na União Europeia, assumindo ter sido à boleia dos fundos estruturais que o país beneficiou de investimentos importantes. "Elvas tem hoje infraestruturas que, sem os investimentos da União Europeia, nunca teria. Foi uma grande vantagem", ressalva o antigo autarca que liderou a Câmara de Elvas entre 1985 e 1993, mas que uns anos antes, ainda criança, viu o seu pai acolher em casa dois refugiados austríacos da Segunda Guerra Mundial.

Um gesto que o marcou e que o leva a apelar ao país para que abra portas à entrada de refugiados sem hesitar. "Aquelas duas pessoas chegaram a Elvas num grupo e viveram comigo algum tempo. Ainda estão em Portugal", revela, admitindo que o país precisa de mais gente e que quem vem pode trazer "novos conhecimentos que ajudem os nossos conterrâneos".

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