Portugal também tem desportos de inverno. E há uma equipa a revelar-se no hóquei no gelo
Sabia que em Portugal se praticam oficialmente modalidades como snowboard, esqui alpino ou hóquei no gelo? E que existe uma equipa desta última modalidade que compete na Liga da Andaluzia? Grande parte do mérito no desenvolvimento dos desportos de inverno em Portugal é da Federação de Desportos de Inverno de Portugal (FDIP). Sediada na Covilhã, tem como objetivos promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de desportos relacionados com a neve e o gelo.
Pedro Farromba é presidente da FDIP desde 2009 e destaca a evolução muito positiva que se tem verificado nos últimos anos nos desportos de inverno. "A FDIP tem dado passos muito sólidos de consolidação financeira, com base em muito trabalho de proximidade com as instituições. Quero destacar um projeto relacionado com o esqui que tem tido sucesso assinalável. Por apenas um euro, os miúdos espalhados pelas escolas de norte a sul podem ter um dia de atividades na neve da Covilhã. Têm aulas com professor e a alimentação está incluída. Já levámos mais de seis mil crianças a realizar esta atividade", congratula-se.
No início, a FDIP tinha apenas a tutela de todas as disciplinas do esqui e do snowboard. Depois, integrou o curling, o luge, o hóquei no gelo e o bobsleigh. No dia 22 de dezembro, em assembleia geral, foi decidido por unanimidade que a patinagem artística e a patinagem de velocidade no gelo vão passar a estar sob tutela do organismo. Falta apenas concluir o processo burocrático, que passa pela alteração dos estatutos e pela aprovação das duas novas modalidades durante o congresso da União Internacional de Patinagem.
Pedro Farromba destaca "o trabalho que tem sido efetuado junto das comunidades portuguesas de países como França e Suíça, de modo a conseguir encontrar lusodescendentes que possam representar a seleção nacional". A federação apoia financeiramente os atletas com mais potencial, embora o nível continue a ser totalmente amador, pois não existe qualquer desportista profissional. Neste ano de 2020 vai ser iniciado um projeto "cujo grande objetivo é tentar que pelo menos um atleta obtenha os mínimos para participar nos Jogos Olímpicos de 2022".
Uma vez que a serra da Estrela é a única zona do país que reúne condições naturais para a prática destas modalidades, a federação apoia estágios de atletas em locais como Sierra Nevada e Andorra. E, por vezes, é a própria Federação Internacional que presta auxílio precioso - recentemente levou dois atletas portugueses a um estágio numa estância austríaca.
Pedro Farromba já está há mais de dez anos como presidente da FDIP. "Sou natural da Covilhã e em 2009 a federação passava por situação muito atribulada. Perguntavam-me se eu podia dar uma ajuda durante um ou dois anos. Aceitei e a verdade é que já lá vão mais de dez", atira.
A construção do pavilhão do gelo em Lisboa é um dos objetivos da direção da FDIP. Em novembro, o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, garantiu que a infraestrutura verá a luz do dia nesta legislatura, com apoio de fundos públicos. O governante acrescentou que "decorrem negociações para a localização da infraestrutura em Lisboa, que será apoiada com financiamento público". Embora ressalvando que a FDIP "tem alguma receita acrescida", na sequência da decisão do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) de atribuir à federação receitas provenientes de apostas em modalidades como o hóquei no gelo.
Ao DN, Pedro Farromba confessa que a construção de um pavilhão do gelo é o seu grande objetivo. "Já é mais do que um sonho e está prestes a tornar-se realidade. O senhor secretário de Estado tem sido um apoio importante e estou convicto de que no ano de 2020 haverá importantes novidades, embora não seja líquido que o pavilhão do gelo venha a ser construído em Lisboa", avança.
Na opinião do dirigente federativo, esta infraestrutura "será um passo importantíssimo para o desenvolvimento dos desportos de inverno em Portugal". E há mais dois grandes desejos por concretizar. "Ter uma pista de gelo em Portugal e ser homologada pela Federação Internacional e ver um atleta português ser um dia medalhado nuns jogos olímpicos", confessa.
Os Luso Lynx são a única equipa portuguesa em modalidades coletivas filiada na FDIP. Competem em hóquei no gelo e têm obtido resultados muito interessantes. Nomeadamente em Espanha, na Liga Andaluza de hóquei no gelo, competição em que participam pela segunda vez.
Kevin Hortinha, de 41 anos, é o capitão de equipa. "Sou filho de pais portugueses mas nasci no Canadá, e, como é normal no país, os jovens gostam muito da modalidade. Joguei desde os 6 até aos 14 anos, mas com 15 deixei de praticar, pois vim viver para Portugal com os meus pais", conta.
Com 20 e poucos anos, a paixão despertou. "Eu e mais alguns rapazes começámos a juntar-nos em Sintra e em Cascais para praticar hóquei em linha [assemelha-se ao hóquei em gelo, mas é jogado em piso de cimento ou de madeira]. Entretanto, começámos a fazer treinos e jogos em pistas de gelo dos centros comerciais, na altura do Natal", refere.
Anos mais tarde foi formada uma equipa fixa, a Luso Lynx, e boa parte desses elementos passou a representar a Seleção Portuguesa de Hóquei no Gelo, reforçada com atletas que alinham no estrangeiro. "Ganhar a Liga andaluza? Não é impossível, apesar de jogarmos contra equipas que treinam três vezes por dia em pistas de gelo, algo que para nós é impossível", revela. No entanto, garante que "o principal objetivo não passa por ganhar, mas sim por chamar jovens para a modalidade e continuar a fazê-la crescer em Portugal".
O capitão dos Luso Lynx destaca o grande apoio da FDIP. "Todos os jogadores da equipa são federados, o que constitui uma mais-valia importante. Estou a pensar no facto de termos seguro, mas também no apoio financeiro, para além de a FDIP ter um papel essencial na divulgação do hóquei no gelo em termos nacionais e internacionais", refere. E mostra-se satisfeito por constatar "o interesse cada vez maior pela modalidade por parte dos jovens, com várias raparigas".
Cristina Lopes, luso-canadiana de 53 anos, é a diretora desportiva da equipa. "Temos um grande problema, a falta de uma pista de gelo permanente. Enquanto não existe a tão esperada pista de gelo, treinamos no pavilhão do Hockey Club de Sintra com patins em linha ou em pistas de gelo temporárias em centros comerciais. Mas temos jogadores com muito talento e um treinador experiente", destaca, referindo-se ao seu marido, Jim Aldred, ex-técnico dos suecos do Lycksele.
E sublinha "o interesse cada vez maior das novas gerações pelo hóquei no gelo", prova disso é a página do Facebook Portugal Ice Hockey, criada há dois anos, que já tem mais de cinco mil aderentes. O grande sonho de Cristina Lopes é que "num futuro não muito distante possa ser realizado um campeonato nacional de hóquei no gelo em Portugal". Mas para isso é essencial a construção do pavilhão do gelo.
Até ao momento, os atletas a representar Portugal nos Jogos Olímpicos de Inverno têm sido lusodescendentes. Em 2014, Arthur Hanse e Camille Dias competiram no esqui alpino. Quatro anos depois, Arthur Hanse repetiu a presença, acompanhado por Kequyen Lam, luso-macaense que participou em esqui cross country. Pedro Farromba não faz grande questão em que passe a haver desportistas a competir em Portugal nos Jogos Olímpicos e até lança a pergunta: "Na seleção nacional de futebol, quantos jogadores alinham em Portugal? Quase ninguém... É o mesmo que se passa no nosso caso e como é óbvio temos mais dificuldades, uma vez que grande parte das nossas modalidades só podem ser praticadas em determinados locais do mundo", refere.
De resto, faz questão de frisar que "estes lusodescendentes são tão portugueses como os outros e acabam por sentir o nosso país com mais intensidade do que as próprias pessoas que moram em Portugal".