Portugal preocupa, mas malparado de Itália é 18 vezes maior
O sistema bancário europeu, "em particular a banca italiana e portuguesa", representa um risco global que se tornou "mais saliente" nos últimos tempos, assinala o Fundo Monetário Internacional (FMI), na atualização de verão ao panorama (outlook) económico mundial, divulgada ontem em Washington.
A referência à Itália não surpreende, dada a grande dimensão da banca do país; já a menção a Portugal é inédita neste tipo de atualização ao outlook. E surpreende, tendo em conta o tamanho do setor doméstico. Da parte do FMI não houve qualquer referência à situação da banca alemã, que tem suscitado muitas dúvidas por causa da saúde do Deutsche Bank, um gigante mundial.
Claro que a análise do FMI é feita na perspetiva de que os bancos estão todos interligados e que há riscos de contágio além-fronteiras, inclusive ao nível da confiança no sistema. Adicionalmente, os dois países aparecem no topo europeu em termos de incidência do malparado: cerca de 18% do crédito total no caso de Itália, 16% no caso português. Mas a diferença dos volumes envolvidos é, obviamente, abissal. Segundo o Banco de Portugal, o valor do crédito em incumprimento ascendia, em abril, a mais de 20,1 mil milhões de euros, sendo certo que dois terços deste atraso vem das empresas, que não pagam a horas aos bancos. Mas na Itália, o valor total em incumprimento é 18 vezes maior: 360 mil milhões de euros.
[destaque:Há heranças não resolvidas no sistema bancário europeu, em particular no italiano e no português]
Claro que em Portugal não é de negligenciar o facto de o rácio de malparado e o volume de empréstimos sem cobrança há mais de três meses continuarem a aumentar paulatinamente. Assim é desde 2007. Em abril, o rácio de malparado das empresas subiu para 16,4% do crédito total (era 15% no final de 2014), cerca de 13,5 mil milhões de euros.
Nos últimos meses, "outros riscos tornaram-se mais salientes", diz o FMI na análise aos riscos para o outlook. "O choque do brexit [saída do Reino Unido da União Europeia] ocorre enquanto há heranças não resolvidas no sistema bancário europeu, em particular nos bancos italianos e portugueses", como identificado no Relatório de Estabilidade Financeira, em abril. O FMI estará a referir-se aos níveis demasiado elevados de crédito em incumprimento, sobretudo no segmento empresarial.
O DN/Dinheiro Vivo perguntou ao FMI a que "heranças" concretas se está a referir no caso português, se haveria novidades, mas não obteve resposta.
No entanto, o problema do malparado mereceu, também em abril, uma referência explícita, ao mais alto nível, do conselho executivo liderado por Christine Lagarde. Na conclusão da terceira avaliação pós-programa a Portugal, a administração do FMI "observou que, embora o sistema bancário de Portugal tenha feito progressos, são necessários esforços suplementares para reforçar os balanços dos bancos". Os diretores "encorajaram as autoridades a reforçar medidas para melhorar a rentabilidade dos bancos, a qualidade dos ativos e o governo" das instituições.
[destaque:A carga de malparado na Itália ascende a 18% dos empréstimos totais. Em Portugal já vai nos 16,4%]
Referiram inclusive que "manter a confiança no setor financeiro exigirá vigilância, uma acumulação de reservas e uma maior transparência no que diz respeito às operações do setor financeiro".
O FMI "recomendou uma estratégia mais abrangente para lidar com empréstimos em incumprimento juntamente com uma abordagem ambiciosa para resolver a dívida das empresas, observando que o excesso de dívida empresarial está a reter o potencial de crescimento da economia".
De facto, apesar do programa da troika que tinha uma linha para recapitalizar bancos no valor de 12 mil milhões de euros e de haver medidas para sanear o setor, parece que tal não foi suficiente. O problema terá sido agravado pelas perspetivas muito modestas de crescimento e pelos sucessivos acontecimentos desfavoráveis na economia externa, incluindo nos stresses nos mercados. A instituição avisa agora que "a turbulência financeira de mercado e o aumento da aversão global ao risco pode ter repercussões macroeconómicas graves, nomeadamente por via da intensificação de stresses bancários, especialmente nas economias vulneráveis".
O FMI repara que o problema brexit "ainda se está a desenrolar" e que há uma probabilidade assinalável de o cenário de base, agora mais desfavorável, vir a piorar.
A crise da banca italiana tem marcado os últimos meses, com as autoridades europeias a tentarem arranjar forma de resolver a situação e de conter o impacto nas contas públicas. Em Portugal, depois do colapso do Banif, surgiram mais dois dossiês para resolver. A capitalização da CGD e o impasse na venda do Novo Banco (NB). Na segunda-feira, o governo disse mesmo que se o NB não for vendido até agosto de 2017 avançará para a "liquidação de forma ordenada" do banco.
Um cenário possível mas que segundo as regras vigentes não é inevitável. O NB deveria ser alienado até agosto deste ano, mas o governo pediu mais um ano. Pode muito bem fazê-lo de novo em 2017, atirando o fecho do dossiê para 2018.