Portugal perde 500 milhões ao ano no IRC com "concorrência fiscal"
O Fisco português poderá estar a perder, anualmente, cerca de 500 milhões em IRC (imposto sobre lucros das empresas) -- ou 9% da receita total anual deste imposto -- por causa do "desvio" das bases de tributação de empresas multinacionais que, embora tenham atividade em Portugal, vão pagar impostos (mais baixos) a outros territórios mais vantajosos do ponto de vista tributário, indica um estudo ontem publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
De acordo com o novo estudo "Taxar as multinacionais na Europa", apresentado pelo diretor do departamento de Assuntos Orçamentais do FMI, Vítor Gaspar, e pela sua vice para os assuntos de fiscalidade, Victoria Perry, que cita vários trabalhos recentes sobre este problema, Portugal aparece como um dos grandes perdedores fiscais no que toca ao IRC num contexto de forte concorrência internacional.
Numa seleção de países da Europa (foram analisados dez), França parece ser o Estado mais lesado pelo desvio de receitas e lucros declarados pelas multinacionais fora do sistema fiscal gaulês. Aqui, a perda anual pode chegar a 19% da receita total do IRC.
No outro extremo, estão países que parecem estar a ganhar a corrida, oferecendo um ambiente tributário muito mais amigo das multinacionais. O Reino Unido lidera, captando mais 5,6% da receita fiscal anual por essa via. Finlândia e Dinamarca também são ganhadores.
Como referido, o fisco português pode estar a perder anualmente cerca de 9% da receita de IRC, quase o dobro da média global, que ronda os 5,1%. Segundo a Conta Geral do Estado de 2019, a última disponível, o Estado português encaixou cerca de 6,3 mil milhões de euros em IRC nesse ano. 9% dá a referida perda de 500 milhões de euros.
No caso de Portugal, essa alocação de receitas de empresas estabelecidas no território nacional é importante, tendo em conta as necessidades orçamentais do país, cuja dívida está acima dos 130% do produto interno bruto (PIB). Quando o Pacto de Estabilidade for reativado, Portugal deverá ser forçado a gerar excedentes orçamentais consecutivos de modo a reduzir esse rácio para 60% em 20 anos.
Em Portugal esse desvio de fundos decorre muitas vezes da atividade das chamadas sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) que acabam por declarar impostos fora do país, em territórios com impostos mais leves, caso da Holanda ou do Luxemburgo. Ou em zonas off-shores. Estes dois países são da zona euro, pelo que a concorrência é agressiva e eficaz. Nem sequer existe risco cambial, por exemplo.
Num debate organizado pelo Comité Económico e Social da União Europeia (UE), o ex-ministro das Finanças português encorajou os países da UE a "fazerem reformas no tratamento fiscal das multinacionais" para acabar com aquele tipo de distorções.
Na opinião de Gaspar, "2021 é um ano crucial" para fazer essa refundação, para mais, tendo em conta as cicatrizes que a pandemia provocou no tecido económico e social e o agravamento das necessidades das contas públicas, que aguentaram o embate da crise pandémica e dos confinamentos decretados pelos próprios governos nacionais.
Segundo o FMI, o sistema em vigor de impostos sobre as empresas "não é o mais adequado" e é necessário um "debate político internacional" sobre isso, tendo em conta a "urgência de um acordo". Estão a ser "criados problemas significativos" por via da "concorrência entre países" nesses impostos e do "desvio de lucros por parte das empresas multinacionais" de um país para outro "com o objetivo de reduzir os seus pagamentos fiscais".
"Na Europa, a alta proximidade entre as economias agrava essas transferências de impostos na região", refere o FMI. Com a pandemia, a situação parece ser ainda mais dramática.
"As perdas de receita [na sequência da fuga das multinacionais de um território para outro] são agora ainda mais prejudiciais, tendo em conta o impacto devastador da covid-19, que está a provocar uma pressão severa nas finanças públicas de muitos países", acrescenta a mesma fonte.
"Um dos aspetos mais impressionantes da taxa de IRC estatutária na Europa que tem vindo a descer de forma contínua e persistente de uma média de 35% em 1995 para 21% em 2019".
Aqui Portugal, continua a aparecer no tipo da lista, com uma carga de 31,5% em 2019 segundo a OCDE. Em todo o caso, a taxa efetiva (depois de benefícios e de ponderados os escalões de rendimento) é menor, rondando agora os 20%. Mas também aqui, Portugal é dos mais caros do ponto de vista fiscal quando comparado com outros países europeus.
O FMI avisa que, muito embora a tendência tenha sido para o alívio na carga do IRC, este imposto "manteve-se como uma fonte importante de receita" para os Estados e vale cerca de 3% do PIB desde 1995.
Para o departamento de Gaspar, "a evidência empírica sugere que os lucros das multinacionais tendem a ser menos taxados do que os lucros das empresas congéneres domésticas [as que não declaram lucros fora do território onde operam], refletindo um desvio de lucros de territórios com impostos altos para outros com impostos baixos".
Philip Baker, professor da Universidade de Oxford, especialista em fiscalidade, colocou o problema de outra forma. Esta concorrência entre países pelas multinacionais pode estar a agravar o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. "Um país como a Irlanda, que já foi muito pobre, usou as políticas fiscais para criar empregos e prosperidade", observou.
Tendo isso mente, o economista avisou que "os países maiores e mais ricos vão tentar evitar que os mais pobres e em desenvolvimento se desenvolvam". Uma das vias, nesse mundo sem políticas coordenadas, é os mais ricos usarem sempre que podem essa vantagem do IRC baixo, condenando outros à estagnação.
luis.ribeiro@dinheirovivo.pt