Portugal já está a preparar-se para brexit desordenado

Governo e AICEP já realizaram uma reunião com as 10 maiores empresas exportadoras para o Reino Unido, nomeadamente dos setores do calçado, vinhos do Porto, indústria química e farmacêutica. Houve duas reuniões de informação geral para empresas, uma no Porto, outra em Lisboa.
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O negociador chefe da União Europeia, Michel Barnier, pronunciou-se esta sexta-feira sobre o "livro branco" proposto por Londres para a retirada do Reino Unido da União Europeia, considerando que é uma "base de trabalho", mas que deixa várias questões em aberto.

Numa conferência de imprensa, em Bruxelas, no final de um Conselho de Assuntos Gerais, exclusivamente dedicado ao Artigo 50º (retirada de um Estado da UE), em que os 27 mostraram uma "posição unânime" em torno da situação negocial proposta por Michel Barnier, o francês questionou, por exemplo, a forma "como os serviços aduaneiros poderão verificar o destino final de um produto", caso ficassem com responsabilidades de controlo aduaneiro.

Barnier admite que possa haver "um risco maior de fraude" e que as empresas britânicas possam entrar em "concorrência desleal com as da União Europeia". Por isso considera que o "sinal de coragem" da primeira-ministra Theresa May, ao apresentar o Livro Branco, não pode limitar a "responsabilidade" do bloco em "proteger o mercado único e os consumidores".

Na reunião, Barnier entregou o documento em que alerta formalmente para a possibilidade de um brexit desordenado e apela à preparação de planos de contingência, em todos os setores, para o caso da retirada do Reino Unido da União Europeia correr mal.

Alguns Estados membros "já estão a adotar medidas e outras se seguirão", adiantou uma fonte europeia. No caso de Portugal, o DN apurou que o governo já realizou várias reuniões de coordenação entre ministérios, nomeadamente, aqueles que terão de lidar mais diretamente com os impactos que "existirão sempre", em qualquer dos casos, seja uma saída desordenada (o chamado hard brexit) ou com um acordo.

Portugal está a preparar-se

Os ministérios da Administração Interna, do Planeamento e Infraestruturas e da Economia estão a coordenar estratégias "para se saber o que cada um tem de fazer", disse uma fonte. No âmbito privado, o governo em conjunto com o AICEP realizaram uma reunião com 10 maiores empresas exportadoras para o Reino Unido, nomeadamente dos setores do calçado, vinhos do Porto, indústria química e farmacêutica. Houve também duas reuniões de informação geral para as empresas, uma realizada no Porto e outra em Lisboa.

"A sensibilidade é a de que as grandes empresas já têm os seus planos alternativos e já estão a tomar as suas medidas para enfrentar qualquer situação que venha a acontecer face ao brexit", ao passo que "as PME estão mais reticentes, sem saberem muito bem o que fazer" e, por essa razão, "terão de ser ajudadas".

"Por exemplo, as empresas do setor alimentar precisarão de mais apoios" comentou uma fonte com o DN, tendo em conta que uma das consequências de um hard brexit será a introdução de controlos fitossanitários, que "dificultarão o escoamento daqueles produtos para o Reino Unido".

Ao que o DN apurou, uma das ideias em cima da mesa passa por "replicar em Portugal uma plataforma que a Irlanda criou", através da qual, os exportadores acedem a uma base de dados e, respondendo a perguntas, recebem informação sobre os procedimentos a adotar.

Falta fechar 20%

"Todos" estão a tomar as suas medidas, "trabalhado para o melhor, mas preparando-se para o pior", no caso das 13 semanas que faltam até à cimeira de outubro, não permitirem fechar os pontos em aberto.

"Neste momento 80% do acordo de retirada está concluído", disse outra fonte, em linha com a teoria do negociador chefe que, na conferência, de imprensa apontou a necessidade de percorrer "20%" do caminho.

Neste momento falta fechar um plano de contingência para resolver os problemas relativos à fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, mas depois "há outras coisas que não são menos complexas", como a questão da futura relação de Gibraltar, relativamente a Espanha, a questão das bases militares britânicas em Chipre, alem disso falta também fechar um ponto sobre as indicações geográficas (as convenções de identificação de origem de produtos, como por exemplo o vinho ou o queijo).

Uma fonte envolvida nos trabalhos comentou com o DN que "ficou claro" que dentro da sala da reunião do Conselho de Assuntos Gerais, "toda a gente quer resolver isto da melhor maneira possível. Mas, não podemos danificar a nossa base".

"Já temos tantos problemas, cá dentro, como a crise migratória, a crise económica, não podemos acrescentar outros problemas, como por exemplo impedir a mobilidade das pessoas", comentou a fonte já citada, vincando que se "eles querem sair, tem de apresentar soluções".

Decidam "já"

Na primeira vez que se deslocou à fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda, desde o referendo realizado a 23 de junho de 2016 e depois de ter sido duramente criticada de não conhecer os problemas das populações que vivem de um lado e trabalham do outro, Theresa May exigiu que a União Europeia seja rápida e "dê uma resposta já" relativamente ao acordo de divórcio.

"Enquanto negociamos a saída da UE, a minha prioridade absoluta é proteger e reforçar a nossa valiosa união [interna], assegurando que o acordo que alcançarmos seja bom para todas as partes do Reino Unido", disse May.

Porém, em Bruxelas, a proposta apresentada por Londres é vista apenas como uma "base de trabalho" de onde se podem tirar ideias para as negociações entre as partes. O Livro Branco apresenta propostas sobre o acordo de retirada, juntando elementos sobre a negociação futura. "Mas, eles têm de perceber que não é essa a nossa sequenciação", comentou uma fonte europeia, frisando que primeiro "teremos de ter um acordo sobre a retirada e só depois tratar do resto".

Em Bruxelas

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