Portugal e Paraguai, laços culturais e históricos que são pontes que nos ligam e fortalecem as relações bilaterais
A presença do Paraguai em Portugal, com missão diplomática em Lisboa, tem pouco mais de 25 anos. É, sem dúvida, um sinal inequívoco da importância para o meu país de estreitar e consolidar os laços bilaterais com um parceiro importante no espaço ibero-americano, e um interlocutor privilegiado na União Europeia com quem partilhamos os mesmos valores e princípios.
Embora as relações bilaterais sempre tenham sido as mais cordiais, é muito importante destacar que neste momento vivemos um excelente nível de diálogo político. As reuniões ministeriais deram novo impulso à agenda bilateral. Nesse sentido, podemos citar o encontro do chanceler Julio Arriola e do ministro Gomes Cravinho, primeiro em Buenos Aires, à margem da III Reunião Ministerial CELAC-UE, em outubro do ano passado, e depois em Lisboa, em fevereiro deste ano, por ocasião da visita do chanceler Arriola, que participou do XII Encontro do Triângulo Estratégico América-Latina/Caraíbas, Europa e África, organizado pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL).
A verdade é que estas duas reuniões contribuíram positivamente para relançar a agenda bilateral com a realização da II reunião de consultas políticas entre autoridades do Ministério das Relações Exteriores do Paraguai, chefiado pelo vice-ministro Raúl Silvero e do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, chefiado pelo secretário de Estado Francisco André, realizada em março deste ano em Assunção. Os resultados do encontro foram auspiciosos, dando-nos um novo roteiro onde a cooperação, as relações económicas e comerciais, a cultura, o turismo de via dupla, são eixos centrais para o nosso trabalho futuro.
Quando falamos em construir pontes, não nos referimos apenas a pontes físicas, mas também em sentido figurado, porque o trabalho diplomático dá-nos a oportunidade de visitar cidades do interior de Portugal, fazer contactos com autarquias, com empresários, com referências do setor cultural, e essa interação é muito importante, tanto para dar a conhecer o Paraguai, como para nos conectarmos com Portugal, descobrir e valorizar as suas belezas naturais, o seu património, conhecer o seu povo, ver o seu potencial em diversos setores da economia e, acima de tudo, apreciar a sua riqueza cultural, tanto material como imaterial. Já tive a sorte de visitar duas vilas históricas, Belmonte e Marvão, e também já estive na cidade templária de Tomar e no Paço Ducal de Vila Viçosa, todos estes sítios são um exemplo no sentido de desenvolver um ecossistema económico em torno do património cultural monumental, material e imaterial.
Queremos ter um maior relacionamento em termos de troca de experiências e boas práticas em turismo. Recentemente, tivemos um esquema de cooperação que deu bons resultados no campo do turismo religioso e do turismo gastronómico.
Na verdade, queremos ampliar essa experiência de cooperação e já tínhamos discutido com a ministra do Turismo do Paraguai o Tape Avirú de los Guaraníes, um antigo trilho que começa no litoral de Santa Catarina, Brasil, atravessa a mata atlântica, passa por território paraguaio, até chegar aos Andes bolivianos e peruanos. Este pode ser um aspeto da história que nos aproxima de Portugal, tendo também em conta a experiência portuguesa no desenvolvimento do turismo com as suas rotas do Românico e Vicentina, por exemplo.
Como já disse, aqui é importante ter presente o elo histórico entre Portugal e o Paraguai, através do navegador e explorador alentejano Aleixo Garcia, nascido em finais do século XV, e que naufragou na costa catarinense em 1516 quando regressava a Espanha com o resto da expedição comandada por Juan Díaz de Solís. O facto é que Garcia e os outros náufragos foram ajudados pelos Carios-Guarani. Com o tempo, Garcia acabou a falar língua nativa e a liderar uma expedição guiada pelos próprios Guarani, usando o caminho chamado Tapé Avirú ou Peavirú. Isso deixa Garcia como o primeiro europeu a chegar ao que hoje é o Paraguai e a ter o primeiro encontro com o Império Inca, muito antes de Pizarro. Tudo isso entre 1524 e 1525, como pode ser visto na obra Aleixo Garcia, descobridor do Paraguai e Bolívia do historiador português Mário Monteiro.
Portugal é um país maravilhoso. As visitas diplomáticas realizadas a diferentes cidades de Portugal como Cascais, Porto, Braga, Coimbra, Évora, Loulé, Estremoz, Guimarães, entre abril do ano passado e julho deste ano, foram experiências muito positivas e enriquecedoras. Como resultado das mesmas, pudemos promover encontros virtuais com representantes da sociedade civil paraguaia e representantes portugueses. Para citar um exemplo, a experiência de visitar a iniciativa Loulé Criativo deu-nos a oportunidade de promover um encontro com a Federação das Indústrias Criativas do Paraguai, e a intenção é realizar intercâmbios e estágios para artesãos. É muito bom pensar nesse trabalho de cooperação porque as técnicas são muito parecidas, em Loulé trabalham com palma e no Paraguai as indígenas e paraguaias trabalham com caraguatá. Esse intercâmbio pode ser formalizado e concluído através de canais diplomáticos a baixo custo. Os conceitos de economia circular e trabalho conjunto entre criativos e artesãos também trouxeram uma grande novidade. Destacamos também a componente ODS que é transversal na gestão municipal. Todas essas experiências são muito enriquecedoras e partilhá-las faz a diferença. Podem ter um impacto muito positivo com pouco investimento, porque mais do que tudo são experiências inspiradoras.
Nessas visitas ao interior profundo de Portugal, tivemos também a oportunidade de levar parte da nossa identidade cultural, com a divulgação da Guarania, género musical paraguaio criado no início do século XX pelo maestro José Asunción Flores, e que ambiciona ser reconhecido como Património Cultural Imaterial da Humanidade antes do seu centenário, em 2025. Estamos muito gratos às autoridades de Estremoz e Guimarães, por terem aberto as portas ao Guarania e à conceituada compositora e cantora paraguaia Lizza Bogado, bem como ao Centro Cultural de Belém que nos cedeu um belíssimo espaço para apresentar o Guarania Floresce em Lisboa, em dezembro do ano passado, com a participação do destacado cantor paraguaio Ricardo Flecha.
A harpa paraguaia, instrumento nacional de grande prestígio na Europa, acompanhou-nos sempre neste trabalho de divulgação, graças a muitos músicos paraguaios residentes em diversos países do continente europeu, para citar dois grandes expoentes que vivem em França, Ismael Ledesma e Martín Garcete.
Não posso deixar de mencionar a nossa gastronomia, pois graças a ela também conseguimos desenvolver uma diplomacia gastronómica com a harmonização entre o churrasco paraguaio e os vinhos portugueses, destacando que ambos os produtos se estão a posicionar tanto no mercado português quanto no mercado paraguaio, respetivamente. Guardaremos sempre na memória a hospitalidade de João Portugal Ramos e da sua ilustre esposa Teresa que nos receberam na Adega Vila Santa, no Alentejo, onde pudemos desenvolver uma experiência de churrasco e música paraguaia, e degustar excelentes vinhos portugueses.
Esses laços históricos e culturais, de amizade e valores partilhados devem continuar a sustentar o relacionamento bilateral, que sem dúvida se consolidará com oportunidades de negócios e investimentos, e com um diálogo político dinâmico e fluído entre nossos Governos.
Embaixador do Paraguai