Lembro-me bem de ver as empresas espanholas crescerem e expandirem-se em Portugal e no mundo a alta velocidade - ou melhor, em alta voracidade. Recordo-me de me espantar com tanto músculo financeiro, tanta ousadia empresarial. Que visão. Que inveja. Não havia limites à ambição, muito menos constrangimentos tão pueris e lusitanos como os de carácter monetário. Havia sempre dinheiro. Não faltava financiamento. Era uma alegria. Dava para tudo. Até para que uma empresa de construção comprasse os aeroportos de Londres e outras investissem na energia (um sector caríssimo) com a explicação singela de que estavam a diversificar o negócio. É sabido que só diversifica quem tem os bolsos cheios e não sabe onde gastar. Outros, como os portugueses, por esta altura quase só vendiam o que tinham para, como se diz na gíria, focar-se no core. Os espanhóis, não. Os espanhóis eram hardcore e passaram a década a bater no peito. Exemplos? Telefónica, Sacyr, Abertis, etc..A bolha imobiliária. É aí que se encontra o doping - a dose de esteroides anabolizantes - que fez disparar uma parte significativa da economia espanhola. Mais de 60% da costa da Andaluzia varrida por prédios, moradias, hotéis, resorts, coisas, ladrilhos, cenas. O inferno de betão. Os preços das casas treparam a uma média anual de 12,3%, o triplo dos salários, e a economia exibiu a pujante taxa de crescimento de 3,8% por ano -1,6 pontos percentuais acima da Zona Euro, quase três acima do modesto Portugal. Hoje sabemos que há bairros inteiros vazios e que os escombros desses negócios (crédito malparado) estão agora a arder nas mãos dos bancos, nomeadamente nas caixas regionais, que apostaram no betão como se não houvesse amanhã. .O amanhã chegou. É hoje. É agora. Não dá para esconder os mais de 180 mil milhões - o PIB português - em crédito tóxico. É preciso cobrir os riscos. Depois de dois anos a arrastar os pés, o Bankia (que até foi colocado em bolsa, enganando os investidores com a bênção do Banco de Espanha) teve de ser salvo pelo Estado. Mas há outros bancos (as cajas) de mão estendida. Terão de entrar 60 mil milhões de euros no sistema financeiro para evitar uma paragem fatal para a Europa. Os bancos que não quiserem dinheiro público terão de vender o que conseguirem, como os portugueses têm vindo a fazer. Espanhóis e portugueses são, como se vê, irmãozinhos, vizinhos e iguaizinhos. Eles fizeram foi mais batota e aproveitaram-se da nossa subserviência. Resumindo: são uns cabrones, mas os nossos cabrones - como me costuma dizer o meu querido e talentoso amigo Miguel Ángel Belloso.