Portugal e Cuba, uma relação com cinco séculos
Poucos metros separam as estátuas de Camões, Cervantes e Shakespeare na Calle de Mercaderes, em Havana Velha. Não muito longe desta alameda de notáveis está também o café "La Columnata Egipciana", hoje transformado em memorial de um dos seus frequentadores mais conhecidos, o antigo cônsul de Portugal na cidade, o escritor José Maria Eça de Queiroz, o que diz bem da intensidade dos laços culturais que unem Portugal e Cuba, primeiro como colónia espanhola e, desde 1898, enquanto jovem república independente.
Com relações diplomáticas oficiais desde 1919 (e informais desde 1902), Portugal e Cuba nunca viraram realmente costas, nem mesmo quando Salazar concedeu asilo político a Fulgêncio Batista, o ditador derrubado pela revolução cubana de 1959, depois de Franco o ter recusado para não prejudicar as relações comerciais com a antiga colónia.
Mas Portugal e Cuba estão também unidos por uma História comum multissecular. Para o demonstrar, a Academia Portuguesa de História e o Instituto de História de Cuba, com o apoio do Instituto Camões, lançaram o livro Portugueses e Marcas de Portugal em Cuba, numa cerimónia em que esteve presente a embaixadora daquele país em Lisboa, Yusmari Díaz.
Iniciativa da Embaixada portuguesa em Cuba, a obra reúne os trabalhos de investigação de historiadores em ambos os países sobre os testemunhos da presença portuguesa na ilha onde aportou Cristóvão Colombo em 1492, seja no património edificado, nos documentos escritos ou na religião. Como escrevem na introdução as portuguesas Manuela Mendonça e Maria Odete Martins, o início da presença lusa na ilha de Cuba remonta à sua colonização, o que se acentuou durante a União Ibérica (1580-1640): "Mas a presença dos portugueses em Cuba não se limita a essa época. Nos tempos posteriores, essa presença haveria de continuar, mormente depois da recuperação da independência, quando os interesses do reino mais se voltaram para o Brasil. São inúmeros os circuitos comerciais que então se desenvolveram."
Odete Martins foi ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, ao Archivo General de las Indias, Archivo de la Nobleza, em Espanha, e encontrou muitos vestígios de portugueses que, em determinado momento de suas vidas, se fizeram ao mar e demandaram terras de Cuba. Entre eles os do Boza ou Bouza de Lima: "Família de conversos originária do Norte de Portugal, mais precisamente da região de Braga, admite-se que tenham vivido na freguesia de Refoios do Lima, face ao nome que posteriormente adoptaram (...)." Ou António de Chaves, que foi capitão e dono do navio Nuestra Señora del Carmen, que fazia a carreira das Índias Ocidentais. Mas também Pimenteis, Silvas, Vasconcelos, o que, em 1607, levou o capitão geral da ilha a confirmar a existência de uma comunidade de portugueses em Havana, dedicada sobretudo ao comércio transatlântico, nomeadamente de escravos com destinos às plantações de cana de açúcar.
Muitos séculos mais tarde, Portugal seria também um dos primeiros países europeus a reconhecer a independência da nova república (como aliás aconteceu com outras antigas colónias espanholas na América Latina), mas, neste caso, como nota o historiador Yoel Cordovi Nunez, presidente do Instituto de História de Cuba, houve também vários descendentes de portugueses envolvidos nas campanhas de libertação. Entre eles, os descendentes da já referida família Bouza ou Boza, como o general Manuel Boza y Agromonte ou Bernabé Boza y Sanchez Pereira, de funesto destino, já que foi executado pelas tropas espanholas antes de poder ver Cuba independente.
Para além dos vestígios documentais, não faltam também as peças de património edificado erguidas por ordem de portugueses dotados de meios de fortuna. Através desta obra ficamos a conhecer uma das casas mais antigas de Havana, construída no século XVII, por ordem de Gaspar Ribeiro de Vasconcelos, "natural de Tânger, em Marrocos". Mas também se dá notícia de António Parra Calado, natural de Tavira, que foi o autor da primeira obra de teor científico publicada em Cuba em 1787, Descripcion de diferentes piezas de Historia Natural, las más del ramo maritimo, representadas en setenta y cinco laminas.
O mais ilustre dos nossos homens em Havana foi, no entanto, o escritor Eça de Queiroz, que, aos 27 anos, ali foi colocado como cônsul de primeira classe. Embora a cidade fosse já uma trepidante jóia das Antilhas espanholas, este não era o posto sonhado pelo jovem diplomata que se imaginara no cosmopolitismo de Paris ou Londres. Ainda assim, Eça aplicou-se e "deu-se conta de como estavam a ser tratados os coolies chineses, que haviam emigrado para Cuba, oriundos do porto de Macau, e informou os seus superiores detalhadamente sobre a matéria, em relatórios enviados para Lisboa."
Houve consequências para a persistência humanitária do cônsul-escritor: Em breve, o governador de Macau deixaria de permitir a utilização deste porto para fins de emigração. Em março do ano seguinte, um comissário chinês deslocar-se-ia a Cuba para tratar pessoalmente do assunto com as autoridades locais. Em 1874, o cônsul regressaria à Europa, mas a sua marca ficou eternizada num café de Havana velha.
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