Portugal continua a ser dos países da Europa Ocidental com mais casos de VIH e Sida
Entre 1 de janeiro de 2020 e 31 de outubro de 2022 foram notificados 1803 novos casos de infeção por VIH. Isto mesmo revela o relatório sobre a situação epidemiológica por infeção do VIH/Sida divulgado ontem pela pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA). Deste total, 870 casos foram diagnosticados em 2020 e 933 em 2021, o que revela uma redução de 44% no número de novos casos de VIH e de 66% em novos casos de SIDA num período mais longo, entre 2012 e 2021. Ou seja, a tendência de decrescente no número de novos casos, quer de VIH ou Sida, mantém-se, mas, mesmo assim, "Portugal continua a destacar-se pelas elevadas taxas de novos casos de infeção VIH e sida entre os países da Europa Ocidental".
Uma realidade que se mantém também como uma das grandes preocupações da tutela da Saúde. A secretária de Estado para a Promoção da Saúde anunciou ontem que a prevenção no âmbito da profilaxia à pré-exposição vai ser reforçada nos centros de saúde. "Queremos alargar o acesso de PrEP aos cuidados de saúde primários e às organizações de base comunitária que tenham condições, motivação e meios para o fazer", explicou, justificando que "há pessoas que, neste momento, têm total noção do risco que correm e que querem esta solução".
Atualmente, a PrEP existe sob a forma de comprimidos e é utilizada por pessoas que não estão infetadas com o VIH com o objetivo de reduzir o seu risco de infeção, mas, neste momento, só estádisponível nos hospitais que integram a rede de referenciação hospitalar para o VIH, sendo a sua prescrição realizada por médicos especialistas, após avaliação do risco de infeção e mediante o consentimento informado da pessoa.
O documento destaca ainda um outro aspeto: a maioria dos casos é diagnosticada tardiamente. "Entre 2012 e 2021, em mais de metade dos casos, 55,4%, o diagnóstico foi tardio", sublinhando que "a elevada percentagem de diagnósticos tardios tem particular expressão entre os homens heterossexuais e as pessoas com 50 ou mais anos e valida a necessidade de compreender melhor as razões e incrementar o desenvolvimento de ações dirigidas à prevenção da transmissão e promoção do diagnóstico precoce dirigidas a estas populações especificamente".
Recorde-se que as metas definidas pela ONUSIDA para 2030 vão no sentido de reduzir para 95 o número de novos casos por infeção VIH, 95 para o de casos de sida e 95 para os óbitos, por ano. A manter-se esta realidade de diagnósticos tardios tornar-se-á difícil atingir tais objetivos. O documento relembra mesmo que "o diagnóstico precoce da infeção por VIH é instrumental para o cumprimento das metas 95 - 95 - 95 da ONUSIDA".
Portugal não tem estado parado em termos de programas para atingir este objetivo. Aliás, a política de prevenção destas doenças contempla já diferentes metodologias para "a generalização do acesso ao diagnóstico", quer este seja prescrito por um médico, ou seja feito de forma voluntária, nas diversas estruturas point-of-care ou por autoteste - tal como nos vários contextos de saúde também já é possível fazer gratuitamente testes de diagnóstico, quer seja nos cuidados primários ou nos hospitalares, nos Centros de Aconselhamento e Deteção precoce do VIH (CAD) ou nos Centros de Diagnóstico Pneumológico, nas farmácias comunitárias ou em outras unidades.
O objetivo é "chegar ao maior número de pessoas que queiram conhecer o seu estatuto serológico para esta infeção e não perder oportunidades de diagnóstico e ligação aos cuidados de saúde", mas o problema está na falta de literacia sobre a doença na população.
No relatório pode ler-se ainda que o número de testes rápidos de VIH realizados em 2021 pelos CAD, Cuidados de Saúde Primários e Organizações não-Governamentais/Organizações de Base Comunitária registou um total de 45 012 testes, tendo aumentado 5% e 4%, em 2020 e 2021, respetivamente.
Outro dos alertas vai para "o elevado número de novos diagnósticos de infeção por VIH em Homens que fazem Sexo com outros Homens (HSH) de idades jovens, o que continua a justificar um forte investimento no desenho, implementação e alargamento de medidas preventivas dirigidas a esta população".
Mas, em termos de profilaxia, é referido que foram distríbuidos, em 2021, cerca de "quatro milhões de preservativos externos e internos e mais de 400 mil embalagens de gel lubrificante" e que, no âmbito do Programa Troca de Seringas (PTS), "foram distribuídas mais de um milhão e cem mil seringas entre a população utilizadora de drogas por via injetável".
Por outro lado, em relação à profilaxia pré-exposição ao VIH, até 31 de dezembro de 2020, 24 hospitais já tinham implementado uma consulta para esta área, abrangendo um total de 1586 pessoas que tiveram pelo menos uma consulta nesse ano.
Em relação aos dados recolhidos em 2020 e 2021, o relatório destaca que "a maioria dos casos notificados corresponde a homens (2,5 casos por cada caso em mulheres), e que a mediana das idades ao diagnóstico foi de 39,0 anos e em 27,6% dos novos casos os indivíduos tinham idades acima dos ≥50 anos".
A idade mediana mais baixa (31,0 anos) "foi apurada em HSH, correspondendo a 70,1% dos casos diagnosticados em indivíduos de idade inferior a 30 anos". Em contrapartida, a taxa de diagnóstico mais elevada registou-se no grupo entre os 25-29 anos, 27,3 casos por 105 habitantes, em particular nos homens (45,1 casos por 105 habitantes).
Quase metade dos casos diagnosticados nestes dois anos (48,8%) respeita a indivíduos da Área Metropolitana de Lisboa (15,3 casos/105 habitantes). A região do Algarve apresentou a segunda taxa mais elevada de diagnósticos (9,3 casos/105 habitantes). A transmissão por via sexual foi referida em 92,0% dos casos, sendo a transmissão heterossexual a mais frequente (51,8%). Os casos em HSH constituíram 56,0% dos novos diagnósticos em homens.
Durante 2020 e 2021 foram também diagnosticados 415 novos casos de sida (2,0 casos/105 habitantes). A pneumocistose foi a doença definidora de SIDA mais frequente, referida em 33,0% dos casos. E houve 298 óbitos, 26,8% dos quais nos cinco anos subsequentes ao diagnóstico.