Portugal aumenta exposição dos residentes a problemas na dívida
Portugal é o país sobre-endividado da Europa que mais aumentou o nível de exposição dos residentes (incluindo bancos, empresas e famílias) a problemas que possam ocorrer na dívida pública, mostram cálculos do Dinheiro Vivo a partir de dados do Eurostat referentes ao período de 2017 a 2019.
Há dois anos, os residentes no território detinham 46% da dívida pública total; no final de 2019, a fatia subiu para 48,3%, quase metade. A maior parte desta dívida (dos residentes) é detida pelo setor financeiros (bancos e seguradoras), claro, que ficam com o grosso dos títulos (sobretudo obrigações do tesouro, que hoje valem bastante, tendo em conta as taxas de juro muito baixas). Títulos com valor elevado é bom para o balanço dos bancos.
Mas há ainda uma fatia importante dessa dívida interna que está nas mãos de empresas e famílias (por exemplo, no caso dos particulares estamos a falar dos certificados de aforro e do tesouro).
De forma desagregada, o Eurostat mostra que a dívida pública total estava, no final de 2019, num valor muito próximo de 250 mil milhões de euros. Destes, quase 84 mil milhões de euros estavam nos bancos e outras entidades financeiras, quase 35 mil milhões estavam na posse de particulares e cerca de 2 mil milhões de euros eram detidos por empresas (setor não financeiro).
O resto, cerca de 129 mil milhões de euros (cerca de 52%), era detido por credores estrangeiros (grandes bancos, gestoras de fundos).
Embora o rácio da dívida tenha caído de forma significativa de 125,7% do produto interno bruto (PIB) para 117,7% do PIB em 2019, o Eurostat mostra essa transferência no tipo de agentes que detém o endividamento total da República.
Esse reforço na exposição dos residentes é problemática para instituições como o Banco Central Europeu (BCE), noticiou o Dinheiro Vivo no mês passado. É que cerca de 60% da dívida pública nacional está na posse de entidades privadas e a maioria delas são bancos sedeados em Portugal.
Segundo avisou então o BCE, na sua avaliação sobre a estabilidade financeira da área do euro, "em alguns países da zona euro, as ligações entre bancos e Estados soberanos são consideráveis e criam riscos de ciclos de feedback negativos decorrentes da redução das notas da dívida soberana ou bancária".
"Ainda que algumas medidas políticas possam amortecer os efeitos económicos adversos sobre empresas e famílias resultantes das medidas de contenção relativas ao coronavírus, continua a existir o risco de as agências de rating poderem cortar na avaliação dos soberanos e/ou bancos devido a riscos crescentes no crédito."
Isto "poderia reativar os ciclos de feedback negativo da interdependência entre bancos e soberanos, especialmente em Itália e Portugal, bem como em Espanha", territórios "onde os ratings dos bancos estão mais próximos do grau de não investimento", "lixo", na gíria dos mercados, alertou o banco central sedeado em Frankfurt.
Um cruzamento de dados do Eurostat feito pelo DN/Dinheiro Vivo mostra que, de facto, Portugal é o país sobre-endividado (com um fardo de dívida pública superior a 90%) que mais aumentou a proporção de dívida junto dos residentes. Os credores internos partiram para esta crise com uma exposição maior do que tinham no passado recente.
O Eurostat não tem dados para a Grécia, mas mostra que o segundo país mais endividado da Europa, Itália (como um rácio de 134% do PIB em 2019), registou um aumento da exposição dos credores internos equivalente a 0,8% do total da dívida pública italiana face à situação de 2017.
Em Portugal, os credores domésticos ficaram com mais 2,3% do total de dívida.
Os restantes Estados europeus que podem ser considerados muito endividados ou sobre-endividados reduziram a exposição à dívida dos agentes internos. São os casos de Bélgica, França e Espanha, que no final de 2019, tinham todos rácios de dívida superiores a 95%.
Para já, a dívida pública está protegida contra ataques especulativos ou cortes nos ratings porque o BCE continua no mercado a comprar enormes quantidades de dívida e suspendeu temporariamente a regra que o impede de aceitar dívida considerada lixou ou de "não investimento".
Não é o caso atual de Portugal, mas caso alguma agência de rating avance para uma desclassificação desta magnitude, as taxas de juro das obrigações portuguesas devem consegui aguentar-se em níveis ainda baixos, embora temporariamente.
Jornalista do Dinheiro Vivo