Portugal apanhado nos telegramas de presos de Guantánamo

No dia em que mensagens revelam pagamento dos EUA aos países que  receberam prisioneiros de Guantánamo, Portugal é referido em duas delas sobre a prisão
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As peripécias em torno do encerramento da prisão de Guantánamo têm estado a ser reveladas pela WikiLeaks, e Portugal não escapou aos polémicos telegramas divulgados ontem. Os documentos - que o site de Julian Assange começou a divulgar no domingo e põem em xeque a diplomacia norte-americana - revelam que os Estados Unidos pagaram a países europeus entre 40 e os 65 mil euros por cada prisioneiro que receberam oriundo de Guantánamo.

Tendo em conta que Portugal acolheu dois sírios vindos da prisão militar americana situada em Cuba - e que é referido nos telegramas da WikiLeaks ao lado de países que receberam pagamentos, como a Espanha -, o DN questionou ontem o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre os pagamentos alegadamente feitos por Washington, mas fonte oficial disse não ser possível obter essa informação em tempo útil.

Certo é que o próprio enviado especial dos EUA para o encerramento da prisão de Guantánamo, Daniel Fried, admitiu - há um ano e meio, quando esteve em Portugal a negociar a vinda de prisioneiros - doar dinheiro para as "despesas reais" dos detidos.

Um dos telegramas divulgados pela WikiLeaks revela que em Espanha o valor sugerido por Daniel Fried foi 85 mil dólares (cerca de 65 mil euros) por prisioneiro. O valor indicado pelo norte-americano a Portugal não deverá ter andado muito longe do sugerido a Madrid, uma vez que o enviado de Barack Obama guiou-se pelo custo de vida do país, que não varia especialmente do português.

Foram também revelados pagamentos a outros Estados membros da União Europeia, como a Bulgária. Naquele país, a quantia proposta de Fried variou entre os 40 e os 60 mil euros por detido.

Curiosamente, além da passagem de Kadhafi por Portugal e de uma posição tomada em Bruxelas sobre sanções ao Irão, as referências a Portugal nos telegramas da WikiLeaks (conhecidos até ao fecho desta edição) limitam-se ao caso Guantánamo.

Um desses telegramas revela uma conversa (em Julho de 2009) entre um assessor do ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Eric Chevallier, e Fried, em que foi garantido que "a França não irá interferir negativamente nas discussões [ para a recepção de reclusos] entre os EUA e outros países, nomeadamente Espanha, Itália e Portugal".

Portugal é ainda referido a este propósito num telegrama capturado no Luxemburgo e datado de Janeiro deste ano. Numa das intervenções em vários Estados da Europa (no sentido destes receberem prisioneiros), o ex-detido de Guantánamo Moazzam Begg referiu Portugal como exemplo. Neste caso, a ideia era convencer os luxemburgueses a seguir o modelo português, que classificou como "vizinho".

De todas as mensagens que envolvem Portugal - até agora conhecidas -, nenhuma teve origem na Embaixada dos EUA em Lisboa. Nesses 722 telegramas, há, no entanto, 61 que têm como tema "terrorismo e terroristas", sendo provável que alguns se refiram a Guantánamo, uma vez que parte deles estão datados da época em que houve negociações entre Lisboa e Washington. O primeiro Estado europeu a disponibilizar-se para receber prisioneiros de Guantánamo foi, precisamente, Portugal.

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