Portugal ajudou Bolsonaro a ganhar o debate nas redes sociais
A ideia de que as eleições, num país, são uma decisão soberana dos seus nacionais precisa de ser relativizada. No Brasil, por exemplo, há agora provas de que a campanha presidencial que importa - a que decorre online - foi produzida dentro e fora do território. Quase metade dos propagandistas mais ativos (44,5%) podem ter participado na eleição além-fronteiras. Apenas 55,5% estavam, garantidamente, no Brasil. Uma parte significativa (37,9%) não pode ser localizada geograficamente. Os restantes intervieram do estrangeiro. Desses, 1412 estavam em Portugal.
Esta é uma das conclusões de um estudo da Alto Data Analytics, uma equipa de cientistas informáticos e especialistas de dados, que estudou a campanha presidencial no Brasil nas redes online.
Portugal aparece identificado como o país estrangeiro onde foram produzidos mais conteúdos da campanha externa de Jair Bolsonaro. Essa divisão geográfica mostra, ainda, que vieram da Argentina e da Venezuela, em sentido contrário, a maioria das publicações afetas a Fernando Haddad, o candidato do PT.
Não é possível saber, com os dados revelados pelo estudo da Alto Analytics, se os apoios online de Bolsonaro em Portugal eram contributos reais - de cidadãos brasileiros envolvidos no debate político - ou se, pelo contrário, eram parte dos detetados "falsos perfis" com que Bolsonaro conseguiu vencer, de forma clara, a batalha online.
Um dos dados mais relevantes deste relatório é o que mostra a influência dos bots - como são conhecidas as aplicações de software que permitem mecanizar a presença nas redes de perfis falsos. Como é que se prova que isso existe? Registando um "nível anormal de atividade" de cada um desses perfis no debate. Bolsonaro, que tinha muito menos perfis de apoiantes do que os seus adversários (cerca de um terço), conseguiu ter o triplo da atividade.
Estes são os números concretos, registados pelo relatório: "O centro-esquerda era a maior comunidade: 138 802 utilizadores gerando 1 780 305 mensagens, 13 por utilizador. A comunidade da direita era mais ativa: com apenas 50 355 utilizadores gerando 5 921 834 mensagens, 117 por utilizador, o que pode ser considerado um sinal antecipado de nível anormal de atividade."
Houve, aparentemente, bots (que é um diminutivo de robot) em todos os campos políticos. Mas Bolsonaro liderou esse território. Aqui falamos apenas de uma atividade online que denuncia automação, ou seja, que não está ao alcance do que é considerado o "normal comportamento humano". No Twitter, por exemplo, falamos de casos de utilizadores com mais de 4000 retweets.
O Alto Data Analytics detetou utilizadores anormais de alta atividade no Twitter, ou seja, além da automação normal do comportamento humano. Ao analisar utilizadores com ou mais de 4000 retweets e outros que se ficavam no patamar seguinte, entre 1500 e 3999 retweets, os autores do relatório estimaram que 30% de todos os retweets nas comunidades direita e esquerda foram publicados por apenas 1,3% dos utilizadores. O grupo de apoio a Bolsonaro inclui 663 utilizadores com essa atividade "anormal", enquanto a esquerda toda (Haddad, Ciro Gomes, Marina Silva) tinha 290 utilizadores com esses níveis altos de atividade.
"O impacto digital de Bolsonaro foi muito superior ao de qualquer outro candidato no Twitter. A sua comunidade reuniu seis dos 15 perfis mais influentes da rede", sublinha o relatório. Entre os domínios mais partilhados pelos apoiantes de Bolsonaro está um site norte-americano (o que também é incomum). Chama-se Gab.ai e, segundo a Wikipédia, é "uma plataforma para os defensores da supremacia branca e a alt-right".
Os temas lançados pelo Gab.ai na campanha brasileira, a favor de Bolsonaro, são em tudo semelhantes aos de outros partidos populistas no resto do mundo: #ImprensaCretina (Bolsonaro como vítima dos media e da "esquerda fascista") e #PesquisasMENTEM (as sondagens não são confiáveis).
O conjunto dos apoiantes de Bolsonaro atingiu outro número que revela o profissionalismo desta campanha de um novo tempo: duplicaram a sua atividade à medida que a eleição se aproximava (de 30 mil para 60 mil mensagens diárias nas redes). "A sua atividade foi contínua sem que houvesse uma hora do dia sem publicar", revela o relatório.
NOTÍCIA ATUALIZADA: Foram acrescentados os números sobre os participantes na campanha digital que intervieram sem qualquer geo-localização detetada.