Portugal 2020
Daqui [1998] a vinte anos [2020] vamos estar muito mais ricos." Esta frase foi dita por Vítor Constâncio, uma das vinte personalidades entrevistadas, a par de vinte jovens promessas, no ano da realização da Expo"98. Só faltou ao então professor catedrático convidado do ISEG e administrador do BPI detalhar a quem se referia, na sua visão para 2020.
A coletânea de entrevistas, intitulada Portugal 2020 (Fenda, 1999), foi uma obra realizada no âmbito do projeto Pavilhão do Território, merecendo o apoio do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
Escreve o artista plástico e produtor cultural Leonel Moura, diretor do Pavilhão, que: "Só se consegue imaginar o possível. Como a vida das pessoas, das comunidades e do mundo é constantemente atravessada por acontecimentos inesperados e da ordem da imprevisibilidade, a previsão rigorosa do que aí vem torna-se uma tarefa condenada ao fracasso." Leonel Moura fala das contingências, das catástrofes, das inovações e dos movimentos sociais. Eu acrescentaria as estratégias políticas, cujas armas passaram a ser outras, direta ou indiretamente ligadas ao terrorismo e às doenças, como a presente pandemia, também esta considerada como uma forma de terrorismo, se as suas causas forem político-económicas.
E tudo isto cria, no presente, imprevisibilidade e medos quanto ao futuro.
Os autores/coordenadores desta publicação (Adelino Gomes, José Vítor Malheiros e Teresa de Sousa) propunham-nos "inventar o futuro", com duas décadas de intervalo, e no texto introdutório desejam ajudar a anunciar o provável e definir o que se deseja e o que se quer evitar.
Ora, na minha opinião, o fracasso destas duas décadas está precisamente neste último ponto, ou seja, o que se quer evitar.
Definir escolhas, tal como defende João Caraça, pode ser uma atitude correta no quadro da prospetiva, mas tal não passa de um exercício sem contextualização e escala possíveis, face às mudanças aceleradas do mundo. Tentar evitar futuros que não desejamos, à distância de duas décadas, obriga a ter em conta acontecimentos inesperados. Ora, se estes são inesperados não podem ser datados nem mensuráveis. O que não é esperado no presente não conta no futuro planeado. E falece o planeamento.
No final da Expo"98 e do milénio, vivia-se, em Portugal, num registo esperançoso, em que se antevia o "possível": a visibilidade externa e a segurança que o euro nos permitiria, o facto de o crescimento da nossa economia se poder situar entre os quatro mais altos da União Europeia e a taxa de desemprego vir a ser a mais baixa dos Quinze (à época).
O que se passou foi que ninguém podia prever as mudanças que ocorreram em Portugal, e sobretudo no mundo, nas últimas duas décadas: as quedas de ditaduras e o surgimento de outras, as investidas árabes na conquista de território e o crescimento das economias orientais, o desflorestamento exponencial das áreas verdes de equilíbrio ecológico e ambiental, as fraudes de grupos financeiros e o culto do compadrio que devastou as finanças públicas e as dos cidadãos (de que Portugal é exemplo), a desconfiança nos políticos e as dificuldades de a cidadania se impor numa plataforma colaborativa e eficaz perante o poder político e o poder económico.
Perspetivar o futuro, nos dias que correram e que nos correm, obrigaria a um pacto mundial e, em Portugal, a uma convergência estratégica das diferentes forças democráticas.
Isto, porém, nem sequer faz parte da intuição, mas da ilusão.
Portugal 2020 foi muito diferente do desejado na obra que, em boa hora, Leonel Moura promoveu.
Escusado será fazer um "Portugal 2040", mas importa agir, e depressa, no combate eficaz à corrupção e à pobreza e exclusão social de um quarto da população portuguesa. Importa agir, e depressa, contra o crescimento anual negativo como resultado direto das práticas governativas em Portugal nos últimos 20 anos. Importa agir, e depressa, no desenvolvimento social, educacional e da instrução pública. Importa agir, e depressa, na racionalização dos dinheiros públicos, canalizando-os para as pequenas e médias empresas viáveis, que poderão assegurar emprego. Importa, e depressa, dar justiça à Justiça. Importa, e depressa, impor uma construção civil com soluções arquitetónicas e de engenharia com base em opções sustentáveis e duradouras, com materiais efetivamente adequados à qualidade de vida. Para tudo isto, importa uma convergência democrática. A bem da nação!
Professor universitário