Porto Rico entre ser o 51.º estado dos EUA e a devastação do Maria
A 11 de junho último, os porto-riquenhos - os que foram às urnas - votaram esmagadoramente pela adesão do arquipélago como estado de pleno direito dos EUA. Foram 97,1% a pronunciarem-se pelo sim, mas só 23% foram votar, com a maioria a abster-se seguindo as indicações do Partido Popular Democrático, que advoga a manutenção de Porto Rico como estado não integrado dos EUA. Existe ainda um setor que defende a independência, mas sem grande expressão.
Devido ao seu particular estatuto, ainda que os naturais de Porto Rico, colónia espanhola até 1898, tenham nacionalidade americana e possam deslocar-se entre a ilha e o continente, não podem votar nas presidenciais nem nas eleições para o Congresso, ainda que participem nas primárias dos partidos republicano e democrático. Têm, no entanto, direito a representação na Câmara dos Representantes, ainda que com poderes circunscritos.
Mas desde a passagem do furacão Maria, a 20 de setembro, muitos porto-riquenhos lamentam que a ilha não seja o 51.º estado da federação americana e recriminam o presente estatuto por aquilo que consideraram a lentidão das autoridades de Washington em mobilizar meios para ajudar as populações, ao contrário do sucedido à passagem dos furacões Harvey e Irma, na segunda metade de agosto e início de setembro, pelo Texas e pela Florida. E notam que o presidente Donald Trump se deslocou de imediato aos dois estados enquanto só amanhã, passadas duas semanas sobre o Maria, visita o arquipélago totalmente devastado pelo furacão.
Ontem, no Twitter, Trump fez duras críticas aos políticos porto-riquenhos, acusando-os de "falta de liderança" e de quererem que "façam tudo por eles". Esta parece ter sido a resposta ao pedido de ajuda da mayor da capital San Juan, Carmen Yulín Cruz, que apelou ao presidente para "garantir que quem está a mandar está à altura da tarefa de salvar vidas", rematando: "Estou farta de ser educada, de ser politicamente correta, estou furiosa."
O cenário desde dia 20 é o de "catástrofe humanitária" e de certa tensão, como disse o governador da ilha, Ricardo Rosselló. Militares e polícia escoltam os autotanques que distribuem combustível, milhares de pessoas aglomeram-se no aeroporto de San Juan à espera de um voo que os leve para o exterior. Outros milhares estão espalhados por centros de acolhimento para desalojados.
Os efeitos das inundações continuam a fazer-se sentir e a água corrente falta em quase todo o arquipélago. Só 5% do território tem eletricidade. Alimentos, medicamentos, combustíveis e outros bens essenciais são escassos. Os riscos para a saúde pública aumentam com a passagem do tempo, com Carmen Yulín Cruz a lembrar que nestas condições é mais rápido e até inevitável a propagação de doenças, associadas à presença de mosquitos. A sublinhar a dimensão da crise, a mayor alertou para uma situação em que as "pessoas estão a morrer". Yulín Cruz reagia a declarações da responsável pela Segurança Interna, Elaine Duke, para a qual a situação no arquipélago era "uma boa história noticiosa" por terem morrido poucas pessoas e pela rápida resposta das autoridades federais. "Quando se tem de beber de um ribeiro, não é uma boa história, quando não há refeições para as crianças, não é uma boa história, nem quando se tem de retirar pessoas de entre os escombros."
Erros ambientais
Sinal da dimensão da catástrofe humanitária surgiu a meio da semana com o pedido para Trump suspender uma provisão legislativa que obriga a serem navios de bandeira dos EUA, construídos localmente e propriedade de empresas americanas, a realizar as operações de cabotagem com a ilha. Disposição que se aplica também à navegação entre os estados costeiros dos EUA.
A suspensão da lei sucedeu na quinta-feira, "com efeito imediato", explicou a Casa Branca. Passaram a estar autorizados navios estrangeiros a transportar para Porto Rico bens essenciais e combustível para minimizar os efeitos da devastação. O presidente prometeu também amplo envolvimento das autoridades federais no esforço de reconstrução. O governador Rosselló defendeu a decisão de Trump. Mas críticos de Trump referem que desde a passagem do Maria foram feitos pedidos nesse sentido e que na passada semana o senador republicano John McCain apelara ao mesmo, não tendo resposta da Casa Branca.
O grau de destruição em Porto Rico explica-se por erros crassos de política ambiental, segundo a ONG InsideClimateNews. Citando um relatório de 2013 do Puerto Rico Climate Change Council, a ONG recorda que, na época da publicação do documento, tinham sido identificados como fatores de risco "a existência de cada vez mais zonas vulneráveis a inundações por terem sido alteradas as condições de drenagem natural, em especial em meio urbano". O estudo notava ainda o "grande número de pessoas a residir em zonas de risco de deslizamento de terras", 49% da população. O elevado nível de pobreza, associado à contração da economia, era também indicado como fator de risco por forçar parte da população a viver em habitações degradadas ou sem condições de segurança.