Porto é a cidade dos amantes em San Sebastian

O festival de San Sebastian acolheu em antestreia mundial Porto, um filme americano que também é português. A Invicta filmada com uma sereníssima beleza
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O cinema indie americano cruza-se com as produções indie da produtora Bando à Parte, de Guimarães. O ponto de encontro é a cidade do Porto e o filme é uma história de amor entre um americano e uma francesa. É também uma das surpresas agradáveis da secção competitiva Novos Realizadores da 64.ª edição do Festival de San Sebastian, o maior evento de cinema espanhol.

Porto, de Gabe Klinger, foi recebido com palmas na sessão de estreia mundial ontem na velha sala Principal na zona velha deste paraíso basco. A vida internacional desta produção luso-americana começa bem (seguem-se passagens no Festival de Londres, Buenos Aires e Tóquio) e leva-nos para uma noite de amantes na Invicta. O ator recém-falecido Anton Yelchin é Jake, um jovem americano que vive no Porto e que se apaixona numa escavação arqueológica por uma estudante francesa, Matti, interpretada por Lucie Lucas. De volta ao Porto, os dois têm uma noite de sexo e uma ceia que lhes marcará para sempre a vida.

Contado em três perspetivas temporais diferentes, Porto tem também diversos registos e formatos estéticos - passa do SUPER 8 aos 35mm e aos 16mm consoante a época. Mais tarde, acompanhamos o destino do casal numa fase diferente da sua vida, mas sempre numa cidade fria, invernal e disponível para a melancolia romântica. O trabalho de fotografia de Wyart Garfield é precioso.

Cidade da névoa

Mas Porto finta os lugares comuns de filmar uma cidade com os recantos "românticos". A cidade ganha uma carga negra muito própria e mesmo que estejam lá os planos da Ponte D. Luís e do Douro nada soa a cliché. A imensa desolação das personagens não sofre com a habitual tendência decorativa de filmar as marcas identificativas da cidade. Há antes um efeito orgânico de uma alma urbana que chega a surtir uma espécie de efeito romântico-punk muito recomendável. Os blues do Porto captados na zona velha da cidade, sem embelezamento, com aquela pura e soturna alma da Invicta. O restaurante Cunha, o café Ceuta, o mercado do Bolhão fazem sentido aqui. O realizador afirmou que Manoel de Oliveira foi uma influência e que ficou tocado pela incrível beleza da cidade mas o seu cinema é de uma outra família, talvez mais próxima de Jim Jarmuch, que aqui dá o seu nome como produtor executivo.

Filme de uma fragilidade que joga a seu favor, Porto é uma pequena peça artesanal delicada cuja sua fragilidade joga a seu favor. Klinger, que vem da programação e da crítica de cinema, não disfarça as limitações da primeira obra (tinha assinado uma longa documental, Jogo Duplo: James Benning e Richard Linklater), tem o mérito de dirigir eficazmente os atores e de saber esticar as noções de tempo, aliás o grande tema do projeto. A primeira noite sexual dos amantes é registada através de longos planos, todos eles minuciosamente iluminados. Nasce uma impressão de pintura e escultura. Os corpos nus de Yelchin e de Lucas têm uma dimensão para além do erótico. "O que é isto que estamos a sentir?", perguntam numa longa noite de sexo - não sabem, não fazem a mínima ideia. Fica a sugestão que a perdição carnal está mais perto de algo que não é amor nem sexo. Depois, há qualquer coisa de novo: a câmara espera pelos orgasmos destas personagens. E espera com tempo, com serenidade. Este Porto austero e noturno foi feito para estes amantes.

Portugal vai conhecer em breve esta obra que coloca o Porto no mapa cinematográfico. O filme tem já distribuição garantida pela NOS e poderá servir como a sessão inaugural dos novos cinemas Trindade. Nos EUA ainda não tem comprador. Em declarações ao DN, o realizador de Chicago afirmou que a colaboração com o município e a Porto Film Comission foi de uma extrema generosidade. Segundo o produtor português Rodrigo Areias, o executivo de Rui Moreira apostou bem no filme, tendo oferecido um apoio financeiro na ordem dos 75 mil euros.

A sessão oficial em San Sebastian teve um recorte emocional fora do vulgar com a presença dos pais do ator Anton Yelchin, aqui numa das suas últimas interpretações para cinema. Porto é-lhe dedicado.

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