Porque fogem os refugiados de Portugal?

Cerca de 20% dos refugiados acolhidos acabaram por sair, a maioria para a Alemanha. Um deles contou as suas razões ao DN
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Os números oficiais estancam nos 140, mas quem no terreno presta apoio a refugiados acredita que serão mais aqueles que deixaram Portugal nos últimos meses. A maioria parte para a Alemanha, onde tem já alguma rede de contactos, depois de esgotadas por cá as possibilidades de acolhimento e integração. Foi assim com Rafet Hasseko, um sírio de 27 anos que chegou a Portugal no verão de 2016 integrado num grupo de 20 refugiados de vários países, cujo destino de acolhimento era a Fundação ADFP (Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional), de Miranda do Corvo, a mesma que liderou o processo de acolhimento ao grupo de refugiados de Penela, em novembro de 2015.

Desses 20, oito acabaram por abandonar a vila. Rafet viajou primeiro para a Bélgica, depois para Dortmund, na Alemanha, e nos últimos meses fixou-se em Amesterdão. Foi de lá que falou ao DN, nesta semana, frisando que os tempos que passou em Portugal não foram fáceis, nomeadamente o relacionamento com a fundação. "Tive muitos problemas na integração", conta o professor natural de Aleppo, que acabou por se juntar a alguns amigos já integrados na Holanda. Rafet escusa-se a pormenorizar essas dificuldades de relacionamento em Portugal e lembra que, ainda assim, mantém contacto com alguns portugueses que conheceu nessa vila do interior, esforçando-se por não generalizar "o que não correu bem" no país.

O jovem sírio fazia parte do mesmo grupo de refugiados que em agosto deste ano denunciou as dificuldades de relacionamento. "Puseram-nos no Senhor da Serra para nos controlar. Tinha de acordar às 07.00, apanhar o autocarro e só voltava ao fim do dia", disse na altura aos jornalistas um dos refugiados, queixando-se da "falta de respeito; gozam connosco e com a nossa situação na Síria". Alguns desses foram alojados na aldeia de Senhor da Serra, a dez quilómetros do centro da vila de Miranda do Corvo. Um deles, cuja mulher estava grávida, chegou a dormir à porta da GNR da vila, em protesto. O DN sabe que acabou por ficar, devido à gravidez de risco da mulher, cujo bebé deverá nascer dentro de um mês. "A população é simpática e respeita-nos, o nosso problema é com a instituição", dizia em agosto um dos refugiados que acabaram por fugir de Portugal. O presidente da ADFP, Jaime Ramos, refutava as críticas e assegurava que "são tratados com muita dignidade e respeito pelas suas culturas". A verdade é que do grupo de 20 restam apenas 12 refugiados naquela organização.

"Não são prisioneiros..."

Portugal é o 4.º país da União Europeia (UE) que mais tem recolocado refugiados, acolhidos primeiro em Itália e Grécia, disse nesta semana no Parlamento a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. Numa audição conjunta das comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Assuntos Europeus, a ministra da Administração Interna disse que "Portugal recebeu em 2016 mais de 600 pedidos de asilo", número que representa "um acréscimo assinalável" e que coloca "um desafio não isento de dificuldades", reconheceu a ministra, citada pela agência Lusa. "O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não estava dimensionado para estes números", admitiu. E por isso a ministra considera "necessário mobilizar mais a sociedade civil para criar mais espaços de acolhimento", reafirmando a política de "não criar centros de refugiados".

Os vários partidos questionaram a ministra sobre a saída de 140 refugiados do país, mas Constança Urbano de Sousa sublinhou que "eles não são prisioneiros" e "têm liberdade de circulação". No entanto, disse que "é preciso um maior esforço de comunicação com essas pessoas", no sentido de lhes lembrar que o estatuto especial que lhes foi concedido impõe que fixem residência em Portugal. "O projeto migratório é pessoal" e é natural que as pessoas procurem "redes de apoio", frisou. A mesma opinião manifesta Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR). "Temos planos de integração locais que obedecem a algumas estratégias com regras, direitos e deveres. É normal que alguns sintam dificuldades em integrar-se, que trouxessem outras expectativas. O que tentamos fazer constantemente é tornar o processo mais atrativo e ao abrigo da proteção internacional ajudar estes cidadãos a refazer as suas vidas no nosso país", afirmou ao DN. O CPR trabalha atualmente com 20 câmaras municipais - que muitas vezes são o suporte dos refugiados quando os projetos terminam.

Dos 720 refugiados acolhidos neste ano em Portugal, o CPR tem por sua conta 170 pessoas. Desses, 30 terão fugido do país para outras paragens da Europa. Existem mais de 600 pedidos de asilo.

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