Porque existem pausas no jogo para hidratação?
Foi no dia 19 de junho de 2014, com o termómetro a marcar 39º C em Fortaleza, Brasil, que o futebol assistiu à primeira pausa oficial para hidratação (cooling break na sua designação em inglês). Esse jogo dos oitavos de final do Campeonato do Mundo entre Países Baixos e México, curiosamente, arbitrado pelo português Pedro Proença, marcou uma nova etapa nas regras do futebol, ao ver reconhecida a importância da hidratação, quer na proteção da saúde dos jogadores, quer no seu rendimento. Pela primeira vez, um jogo de futebol sofreu uma interrupção adicional, para além do intervalo, para que os atletas pudessem refrescar-se e, assim, jogar em melhores condições.
Esta regra introduzida no Mundial de 2014 mantém-se até hoje e prevê que, sempre que a temperatura ambiente ultrapasse os 32º C, as equipas e o árbitro possam, antes do início da partida, estabelecer uma pausa até 3 minutos em cada metade do jogo, sensivelmente aos 30 e 75 minutos, para que os jogadores possam arrefecer a temperatura corporal e reidratar-se. Mas será a hidratação assim tão importante, para que até as regras do jogo tenham sido alteradas?
Todos sabemos que a água representa cerca de 60% do peso corporal, sendo um constituinte fundamental de tecidos corporais como os músculos ou articulações. A água participa também em vários processos no organismo, sendo a regulação da temperatura corporal um dos mais importantes. De facto, a transpiração é uma forma de o nosso corpo arrefecer, pois ao molhar a pele, conseguimos baixar mais rapidamente a temperatura corporal. Por isso suamos quando fazemos exercício (os músculos produzem calor durante o esforço), mas também se estivermos parados ao sol com temperatura ambiente mais elevada.
Curiosamente, muitos desportistas amadores ainda acreditam que o treino não é produtivo ou suficiente se não transpirarem, e alguns chegam a usar camadas de roupa adicional precisamente para suar mais! No entanto, aumentar a sudação não ajuda no rendimento - pelo contrário, a desidratação tende a aumentar a perceção do esforço e a diminuir a performance. E transpirar muito também não faz perder gordura - o peso perdido na transpiração é... água!
Na realidade, manter um bom estado de hidratação ao longo dos esforços físicos é uma preocupação dos atletas de elite. Sabemos atualmente que uma redução de apenas 2% do peso corporal devido a transpiração - por exemplo, um jogador de 70 kg perder 1,4 kg durante
o jogo - resulta em diminuição do rendimento físico e cognitivo. Isto é, um jogador desidratado tenderá a correr menos distância ou mais devagar, e poderá falhar mais passes, por exemplo. Adicionalmente, há associações entre a desidratação e o aumento do número de lesões. Por todas estas razões, as estratégias de hidratação merecem hoje uma atenção especial por parte dos atletas.
Tipicamente, os jogadores de futebol bebem pequenas quantidades de água até cerca de 30-15 minutos antes do jogo, de modo a garantir que estão hidratados, sem terem demasiado fluído no estômago. Ao intervalo, é normal ingerirem alguns líquidos - água, bebidas com eletrólitos e pequenas quantidades de hidratos de carbono - que acelerem a reidratação e reponham sais minerais perdidos na transpiração.
A quantidade ingerida ao intervalo é variável, em função das condições climatéricas e das preferências individuais. Uma investigação recente com jogadores profissionais revela que as perdas por transpiração ao longo de um jogo podem variar entre 1,6 e 4,4 litros. Por isso, é normal que alguns jogadores tenham mais sede que outros.
Por fim, após o jogo, é importante estimular a reidratação. Várias bebidas podem ser postas à disposição dos jogadores, para que reponham água, eletrólitos e energia. No entanto, as bebidas alcoólicas são desaconselhadas neste momento, porque o álcool tem efeito diurético, o que pode atrasar a reidratação num momento crítico da recuperação dos jogadores.
O que se aplica aos nossos craques, também se aplica a todos e, por isso, não se esqueça: se jogar é importante hidratar.
Nutricionista na Clínica CUF Alvalade e no Hospital CUF Tejo - Unidade de Medicina Desportiva e Performance