Porque é que muitas vítimas de violência sexual não reagem?
A ausência de resistência por parte de uma vítima de violência sexual é muitas vezes confundida com consentimento. "Se não gritou e não fugiu, é porque queria", conclui-se, erradamente. E desacredita-se a vítima.
É preciso clarificar que a violência sexual se assume como uma experiência potencialmente traumática, na medida em que: a) constitui uma ameaça para a vida ou segurança da pessoa, tendo uma natureza excecionalmente ameaçadora ou catastrófica; b) ultrapassa em intensidade as experiências comuns; c) a pessoa sente medo, desespero ou horror intensos nalgum momento; d) a maioria das pessoas sentir-se-ia perturbada numa situação idêntica, e e) a pessoa sente que não tem aptidões nem recursos pessoais e/ou sociais para lidar com a situação.
Neste contexto, e apesar de termos a expectativa de que as vítimas de violência vão lutar ou fugir, muitas reportam uma sensação de paralisia involuntária. Como se ficassem congeladas. E não gritam, não se mexem, não lutam e não tentam fugir, permanecendo quietas e rígidas perante o agressor.
Citaçãocitacao"Muitas vítimas reportam uma sensação de paralisia involuntária. Como se ficassem congeladas."esquerda
Por outro lado, muitas vítimas de violência sexual manifestam as chamadas reações dissociativas, quando parte da sua mente ou do corpo se torna separada (dissociada) da consciência da pessoa como um todo. Quando a vítima se sente muito assustada e não consegue escapar fisicamente de uma situação, pode dissociar. "Deixei de sentir o meu corpo e senti-me a flutuar no ar, vendo tudo de cima, como se estivesse a ver um filme", "a minha mente saiu dali e foi para um lugar mais seguro" ou "deixei de sentir o meu corpo da cintura para baixo" são apenas alguns exemplos de como as vítimas explicam este processo dissociativo, que acaba por ser um mecanismo de defesa e de sobrevivência que ajuda a pessoa a lidar com o evento traumático. No entanto, estas reações podem tornar-se especialmente problemáticas quando começam a ocorrer perante outros eventos ou face a determinadas memórias.
Importa sublinhar que a reação a uma situação limite como é o caso da violência sexual depende de diversas variáveis e não podemos, por isso, esperar que seja igual em todas as pessoas. Assim, mais do que estarmos centrados no que "deveria" ou "poderia" ter feito a vítima, confundindo a ausência de uma resposta de luta ou fuga com um consentimento informado, devemos escutar ativamente a narrativa que cada vítima nos traz, necessariamente única e singular, sem juízos de valor ou culpabilizações. E evitando sempre colocar a malfadada pergunta "e porque é que não gritou ou não fugiu?"
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal