Porque é que a Palestina continuará a ser a questão mais importante do mundo islâmico?

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Há dias, estava a falar com um académico palestiniano residente na Europa sobre as condições actuais nos territórios ocupados, o futuro da Palestina, e a perspectiva de encontrar uma solução duradoura e justa que garanta os direitos do povo palestiniano. Este meu amigo é um dos palestinianos que parecem ter desistido da luta, considerando inútil a resistência à ocupação, e defende soluções políticas que visam a formação de um Estado palestiniano e alcançar a paz entre os israelitas e os palestinianos. Por esta razão, sempre que se aborde de um plano ou acordo de paz que ele acredite aproximar os palestinianos de um Estado independente, acolhe-o com satisfação e mantém a esperança no futuro.

A última vez que falei com ele foi há cerca de dois anos, após a revelação do controverso plano da administração Trump conhecido como o "Acordo do Século", seguido da assinatura de um documento ilusório chamado "Acordo de Abraão" na Casa Branca com o objectivo de normalizar as relações de alguns países árabes com o regime israelita. Enquanto muitos dirigentes da Autoridade Palestiniana e de outros países se opunham fortemente ao plano, o meu optimista amigo palestiniano acreditava que este plano poderia trazer uma paz duradoura aos palestinianos e israelitas e normalizar a relação do mundo árabe com aquele regime.

Nessa altura, expus como a natureza do regime israelita se baseia na agressão e ocupação, e que, em troca de terra, a esperança de paz com este regime não é mais do que uma miragem. Os países árabes que se esforçam por normalizar as relações com os ocupantes de Al-Quds estão igualmente a perseguir os seus interesses económicos e políticos. Ilustrei ao meu amigo palestiniano optimista que o delirante "Acordo de Abraão" é uma desculpa e um subterfúgio para que ambos os lados (os ditos regimes árabes e israelita) lucrem à custa do povo palestiniano. Por um lado, esta acção alenta a ocupação e a opressão nos territórios palestinianos e, por outro, retira a questão da Palestina da agenda prioritária dos países árabes signatários. Argumentei também que a solução do problema palestiniano não se encontra nos planos de compromisso infrutíferos, mas a libertação palestiniana só pode ser alcançada a partir dos territórios ocupados, com a continuação da resistência, intifada e união entre todos os grupos palestinianos.

Hoje, porém, este meu amigo palestiniano e, talvez, muitos outros que pensavam como ele têm uma opinião diferente. O amigo palestiniano está abatido e frustrado com a miragem que lhe foi feita e à sua geração e a todo o povo palestiniano. Diz agora que já não acredita em nenhum plano de paz apoiado pelos Estados Unidos, o Ocidente e os Estados árabes comprometedores. Hoje, depois de todos estes planos de paz e acordos de compromisso, não só não estamos mais perto de alcançar a paz na Palestina, como o nível de repressão, perseguição e anexação do território palestiniano aumentou. Diz ele, já sem esperança, que o resultado mais importante dos planos de compromisso é que, infelizmente, estamos hoje a assistir ao desconhecimento dos direitos legítimos do povo palestiniano pela sinistra aliança e cumplicidade do eixo composto pelos Estados Unidos, o regime israelita e os países europeus e regionais e o resultado é a continuação da opressão, do crime e das provocatórias conspiratórias por parte do regime sionista nos territórios ocupados.

O que considero mais preocupante e enervante para este amigo palestiniano é o duplo padrão que o Ocidente usa em relação à questão palestiniana em comparação com os recentes acontecimentos - embora infelizes - como a guerra Ucrânia-Rússia. Afirma que a forma como alguns Estados europeus e americanos têm lidado com a crise na Ucrânia, especialmente a forma como os refugiados de guerra estão a ser apoiados, demonstra que se realmente quiserem fazer alguma coisa, utilizarão todas as suas capacidades e instalações políticas e económicas. Mas o duplo padrão aplicado a questões semelhantes demonstra como o pacifismo, os direitos humanos e as questões humanas são nada mais do que instrumentos para a levar a cabo objectivos e intenções políticas.

Agora, com estas condições catastróficas nos territórios ocupados, onde o povo palestiniano está privado dos direitos humanos mínimos e das necessidades básicas da vida, e considerando estes dois pesos e duas medidas, por um lado, e a indiferença e o perdão de alguns Estados árabes relativamente à questão palestiniana, por outro, que esperança pode haver para o futuro, pergunta. Segundo o meu amigo, Israel quer manter o povo palestiniano presos dentro das suas próprias casas e é impossível devolver-lhe sequer um centímetro da terra palestiniana.

Disse ao meu amigo palestiniano que a luta pela justiça e a resistência à ocupação não tem fim. O Imã Khomeini, o falecido fundador da República Islâmica do Irão, que foi um defensor convicto da questão palestiniana, há mais de 40 anos, ao declarar a última sexta-feira do Ramadão como Dia Internacional de Quds (29 de Abril deste ano), tentou consciencializar as comunidades islâmicas e de todos os povos do mundo para a questão da Palestina. Acreditava profundamente que, com a unidade dos muçulmanos e a resistência do povo palestiniano contra a ocupação, a mão dos ocupantes sionistas ficaria cortada das terras palestinianas.

O que ouvi deste amigo palestiniano é provavelmente a opinião de todos aqueles que estavam optimistas acerca dos planos de compromisso. É agora necessário provar a todos eles que a chave para resolver a questão palestiniana está dentro dos Territórios Ocupados. O Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, afirma explicitamente que "Na realidade, Alá não muda a condição de um povo até que este mude o seu eu interior". (Surah Ar-Ra'd: 11). Ou seja, quando alguém se esforça para mudar algo em si, Deus também o apoia e ajuda no seu objectivo. O povo palestiniano também tem a experiência de como a luta contra a ocupação é um princípio legítimo para a libertação dos territórios ocupados. Sabem muito bem que devem manter-se fortes e continuar a resistir até que os alicerces da ocupação e da agressão desmoronar-se-ão, uma vez que, segundo o Alcorão, as aranhas acham que estão seguras em suas frágeis teias.

Prometo ao meu amigo palestiniano e, por conseguinte, a todo o povo palestiniano, que a dor causada pelas feridas abertas de longa data na terra da Palestina jamais será esquecida na mente dos pensadores livres, dos pacifistas e de todo o Ummah islâmico ("nação" ou "comunidade" em árabe). No entanto, após mais de sete décadas de invasão e ocupação do território palestiniano, nenhuma outra questão pode substituir a importância da questão palestiniana no mundo islâmico. Pelo menos três razões principais fizeram da Palestina uma das questões mais importantes do mundo islâmico: Primeiro, a particularidade do território da Palestina, a sua santidade e o seu lugar entre os seguidores do Islão; segundo, o carácter do inimigo sionista e a sua ideologia expansionista e ocupante que visa estabelecer a propriedade sobre o território da Palestina e dos locais sagrados islâmicos; terceiro, a realidade da aliança sionista-Ocidente, que procura dividir e enfraquecer o Ummah para que os países islâmicos permaneçam dependentes das grandes potências.

Por esta razão, o Dia Internacional de Quds é uma oportunidade para a questão da Palestina estar no topo da agenda e da atenção do mundo islâmico todos os anos. No entanto, o apoio da República Islâmica do Irão ao povo oprimido da Palestina não é uma política de curto prazo nem é táctica. Isto não está apenas assente nas crenças religiosas dos iranianos, mas acima de tudo, num dever humano e humanitário que se baseia na natureza de cada pessoa livre, independentemente da raça ou religião. Ao colocar o Irão contra o mundo árabe e islâmico e, ao retratar a República Islâmica do Irão como uma "ameaça comum" e sabotar o processo de reavivar o acordo nuclear, o "regime sionista" está a tentar desviar a atenção dos muçulmanos em todo o mundo da causa palestiniana. No entanto, a escalada das acções levado a cabo pelo regime sionista com o intuito de fomentar a iranofobia, não pode marginalizar a questão da Palestina.

Enquanto os Estados ocidentais e as principais organizações internacionais tenham sido incapazes de resolver a questão palestiniana, e todas as soluções propostas tenham falhado devido à sua visão enviesada, a República Islâmica do Irão apresentou um plano democrático e justo intitulado "Referendo Nacional no Território da Palestina", que também está registado no Secretariado da ONU. A República Islâmica do Irão acredita que, o retorno dos refugiados palestinianos à sua terra natal e a realização de um referendo entre os residentes originais desta terra, independentemente da raça ou religião, de modo a determinar o destino e a forma de sistema político é a solução mais eficaz para resolver este conflito. Segundo o plano, muçulmanos, judeus e cristãos de ascendência palestiniana poderão escolher o tipo de sistema jurídico que os governa e garante os seus direitos de forma livre e igualitária. O plano da República Islâmica do Irão foi formulado e apresentado com base em princípios democráticos e regras do direito internacional aceites por todos os governos e nações. Este plano será uma boa alternativa aos planos falhados anteriores.

É tempo de a consciência humana despertar e quebrar o silêncio face aos crimes cometidos pelo regime israelita na Palestina e apoiar a realização da causa, a longo prazo, do povo palestiniano para estabelecer um Estado independente e livre com Al-Quds como capital, para pôr fim aos mais de 70 anos de sofrimento de várias gerações de palestinianos.

Embaixador do Irão em Portugal

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