Por uma revisão da Lei das Finanças Locais
Nos últimos tempos têm vindo a acentuar-se as críticas de autarcas ao modo como se procedeu à transferência de competências da Administração Central para as Autarquias Locais, sobretudo desde que começou a ficar mais claro o impacto financeiro de tal processo. É certo que desde o início algumas vozes clamaram contra as contas mal feitas, contra a enorme desproporção entre as verbas que o Governo atribuiu aos municípios para o exercício de novas responsabilidades em relação aos encargos que elas comportam, mas para muitos presidentes de Câmara só agora que essas responsabilidades começam a ter expressão real nas contas municipais é que o assunto está a ser encarado como um problema.
Pela minha parte, defendo desde há muito que o tratamento desta matéria devia ter sido baseado numa revisão profunda da Lei das Finanças Locais e não, como veio a acontecer, através de legislação avulsa, divergente e incongruente em variadíssimos aspetos que, no geral, penalizam fortemente os municípios.
Na verdade, não se percebe como, num diploma absolutamente estruturante para a atividade autárquica, foi possível resumir a meia dúzia de artigos genéricos e inconsistentes o que exigia ser alicerçado num enunciado normativo com critérios claros, coerentes e consentâneos com os objetivos da transferência de competências da Administração Central para as Autarquias Locais.
Há efetivamente na Lei das Finanças Locais - e, já agora, também no Regime Jurídico das Autarquias Locais - um quadro geral de incompreensível indefinição e desajustamento que não é resolvido pelos decretos-lei específicos de cada uma das competências transferidas, uma vez que estes, além de assentarem em pressupostos e critérios diferentes, foram igualmente formulados sem ter sido devidamente acautelado o seu enquadramento com as exigências que os municípios estão obrigados a cumprir, quer do ponto de vista financeiro, quer em termos de procedimentos administrativos.
Por exemplo, face ao cenário em que a despesa corrente cresce a olhos vistos, é fácil antever desde já enormes dificuldades das autarquias em cumprirem a regra do equilíbrio orçamental estatuída no artigo 40.º da Lei das Finanças Locais. Tendo em conta que, conforme consta no referido artigo, "a receita corrente bruta cobrada deve ser pelo menos igual à despesa corrente acrescida das amortizações médias de empréstimos de médio e longo prazos", não se vislumbra como, com o pacote financeiro associado à transferência de competências, será possível acomodar o acréscimo substancial dos custos de alterações orgânicas importantes ao nível dos recursos humanos e da gestão de instalações e equipamentos.
O que emerge daqui é um grande dilema para os autarcas que estão empenhados em fazer uma gestão baseada no equilíbrio financeiro e na aplicação das melhores práticas ao nível da prestação de serviços, um dilema que o atual Governo tem todas as condições políticas para desfazer no âmbito de uma revisão da Lei das Finanças Locais e do Regime Jurídico das Autarquias Locais.
Presidente da Câmara Municipal de Cantanhede