Por um ensino transformador focado no futuro

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Os contextos sociais, económicos e políticos são hoje cada vez mais marcados pela ambiguidade, pela imprevisibilidade e pela complexidade. À tranquilidade de um mundo moderno, assente na razão e no conhecimento científico, segue-se a inquietude das incertezas, das respostas conjunturais e do espanto de uma ciência que assume as suas insuficiências e que com isso reconstrói continuamente verdades e perspetivas. É hoje inequívoca a centralidade do conhecimento científico para a preservação da vida humana, para a construção de um bem-estar sustentável e para a defesa dos Direitos Humanos e de combate às desigualdades. A preparação célere da vacina contra a covid-19 é um bom exemplo dessa centralidade e, ao mesmo tempo, um bom indicador das substanciais diferenças entre várias regiões do mundo e das desigualdades estruturais que as mesmas consubstanciam.

O conhecimento é, na verdade, a base para a efetivação de um desenvolvimento consistente e adequado em prol de um mundo mais justo e solidário. Coloca, pois, em destaque a importância do ensino como fundamento de uma cidadania esclarecida e do consequente exercício da liberdade e da democracia, como baluartes do respeito pelo outro, pela sua dignidade e pelo planeta como "casa-mãe" da Humanidade. Em contraponto, a restrição do acesso ao conhecimento, nomeadamente devido a situações de pobreza, de pertença a determinados grupos, em particular as mulheres em certas regiões do mundo, de conflitos armados, de fenómenos climáticos extremos, entre outros, colocam hoje à ciência e às instituições de ensino e de construção e difusão de saber o desafio incontornável da aproximação aos contextos e problemas reais, de compreensão multidimensional de cenários complexos e de contributo efetivo para a transformação de mundos.

Neste contexto, as escolas, e as instituições de Ensino Superior em particular, não perdem relevância. Pelo contrário. Têm cada vez mais uma responsabilidade acrescida. Um mundo mais desenvolvido é sem dúvida aquele que proporciona a todos os seus cidadãos e cidadãs a oportunidade de viver com liberdade, bem-estar e sentido de pertença. A aposta na ciência e no avanço do conhecimento é uma base incontornável para as transformações necessárias e para um modelo de ensino-aprendizagem consequente. As universidades ensinam o que investigam e formam cidadãos capazes de tomarem decisões livres, responsáveis e solidárias e de se adaptarem a condições em rápida mutação.

Formam para valores, constroem bases de sabedoria, que suplanta a mera acumulação de informações em prol de um pensamento fundamentado, de um saber progressivamente maturado e falsificável e de um olhar curioso e cooperativo sobre o mundo.

Para tal, é necessário equilibrar, num triangulo equilátero e coerente, o ensino, a investigação e a devolução de saber à sociedade, à luz dos desafios que hoje enfrentamos, e que se aprofundarão cada vez mais a muito breve prazo - a quebra demográfica, os desequilíbrios ambientais, as crises a nível global, bélicas ou sanitárias, a transformação do trabalho, a estruturação e regulação do Ensino Superior, etc. Na Universidade de Coimbra (UC) procuramos concretizar por diversas vias este equilíbrio necessário, numa missão que se renova sem se descaracterizar.

Neste contexto, é particularmente importante, não só a preparação dos estudantes para o pensamento complexo e a gestão do imprevisto e das disrupções socioeconómicas, tecnológicas e ambientais, mas também, a compreensão dos hiatos entre expectativas geracionais e entre Ensino Superior e mercado de trabalho.

O próprio processo de ensino-aprendizagem tem, pois, de assumir a ousadia de se renovar, a par de um redimensionamento das ofertas formativas, de estruturação coerente do Ensino Superior e respetivas finalidades e de concretização de processos de aprendizagem ao longo da vida.

Neste âmbito, o papel do professor, ainda que transformado, é cada vez mais essencial. Num universo confuso de sentidos, de afirmação da opinião como "verdade" na urgência de visibilidade e mediatismo, do aqui e agora como tempo único, o professor é a "bússola" de um saber ética e cientificamente fundado. O estímulo para aprender a aprender e a referência, pelo exemplo e pela qualidade pedagógica, de valores matriciais de verdade e de pertença.

A UC tem-se posicionado, ao longo da sua história, face a processos de mudança, compreendendo-os nas suas raízes, perspetivando os cenários de futuro que podem desencadear e agindo no que tem de ser transformado. A excelência da investigação e da inovação tecnológica que produz, e que coloca ao serviço da sociedade, não secundariza, antes acentua, a preocupação com a dimensão pedagógica. Desde a formação de docentes e a reflexão sobre conteúdos e processos pedagógicos, como fins, à construção de ferramentas digitais e salas tecnológicas, como meios, a UC transforma-se para preservar e assegurar cada vez melhor a sua missão. Aprende, ela própria, a aprender, com o contributo de outros, como acontecerá na iniciativa estratégica de inovação pedagógica (a ser lançada nos dias 9 e 10 de janeiro), com o apoio do PRR, no âmbito do projeto Living the Future Academy. Uma ocasião para refletir sobre as bases da inovação pedagógica com parceiros internacionais de referência (Arizona State University, Tecnológico de Monterrey, SEMESP e STHEM Brasil) e integrando, no debate e no plano estratégico a desenvolver, o ensino universitário e o ensino básico e secundário como parceiros incontornáveis na concretização cooperativa dos mesmos valores e finalidades - a formação de cidadãos conscientes e responsáveis.

Uma aliança por um ensino transformado e transformador num mundo em profunda mudança.

Reitor da Universidade de Coimbra

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