Por que tão poucos querem ver a realidade?

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Haja coragem para viabilizar a desafetação da Reserva Agrícola Nacional excedente para a construção de habitação pública, exclusivamente.

Se não for assim, continuaremos a assistir ao crescimento da pobreza, sobrelotação de casas e uma cada vez maior indignidade das famílias portuguesas.

Assisto com enorme perplexidade ao debate público sobre a temática da habitação, mas não vislumbro qualquer razoabilidade nas discussões, designadamente, por não se falar nas razões da subida dos preços das casas nos últimos anos.

O problema essencial está no facto de há anos não haver construção de novas habitações para famílias carenciadas e para a classe média baixa.

O governo deu um sinal positivo ao conseguir afetar verbas da União Europeia para a construção de habitação, permitindo a construção de 18 000 casas de renda apoiada e renda acessível. Mas estas não são minimamente suficientes para resolver a situação catastrófica que vivemos na habitação e, se não mudarmos de rumo, a tendência será o seu agravamento, prevendo-se que daqui a cinco anos haja ainda mais pobres.

Dir-se-á: "Se os portugueses tivessem melhores salários, poderiam comprar casas." Mas não têm, logo, não é com paliativos, com retórica e promessas irrealistas que o problema se resolve. É preciso construir mais casas de habitação pública.

Mas como chegámos a esta situação em Portugal? Não falam nisso, mas foi tão só por estupidez, primeiro, e por preconceito ideológico, depois.

O problema está no preço dos terrenos.

Já poucos se lembram do discurso subjacente ao subprime, quando em 2008, havia milhares de casas à venda que iam baixando o preço. Especulação, dizia-se, gerada pela irresponsabilidade das câmaras municipais que haviam autorizado casas sem qualquer planeamento e não tinham escoamento.

Entretanto veio a troika, saiu a troika e em 2018 já as casas haviam de novo ultrapassado os valores anteriores a 2008 e chegámos a 2021 com valores acima de 50% e, nalguns casos, mais de 100%.

Na minha opinião, o principal fundamento para a valorização das casas está na Lei 31/2014 que, entre outras coisas, acabou com a classe de terrenos urbanizáveis, retirando aos municípios a capacidade de planearem o seu território.

Passaram a existir apenas terrenos rústicos e urbanos e os preços destes galgaram incontrolavelmente. Terrenos urbanos que se vendiam a 200/300€ por m2 para construção, estavam em 2022 já entre 500/1600€ o m2.

É óbvio que só se pode fazer construção para classe média alta e para estrangeiros em terrenos urbanos aos atuais preços.

A dita lei, criada pelo governo de Passos Coelho, além do combate à especulação, visava proteger a política de adaptação às alterações climáticas e a biodiversidade, salvaguardando áreas de reserva agrícola, em prejuízo das políticas de habitação.

O efeito foi exatamente o inverso: aumento brutal dos solos urbanos e, naturalmente, a especulação absolutamente ilegítima do preço dos terrenos.

Interessante ter sido um governo mais à direita a fazer as delícias da extrema-esquerda e, ao mesmo tempo, dos proprietários de terrenos urbanos, normalmente situados à direita.

E agora? Agora temos um governo de esquerda que não tem coragem para proceder à revogação dessa famigerada lei que só favorece os ricos e satisfaz a estupidez da esquerda.

Esta é a razão por que defendo que o governo deve criar condições para a construção que vise o aumento do Parque Público de Habitação de 2% para 5%, construindo nos próximos 10 anos mais 80 000 casas, com um custo na ordem dos 12 000 milhões de euros, destinados a renda apoiada e renda acessível. E isto é possível: alterar a Lei 31/2014, criar espaços urbanizáveis e desafetar Reserva Agrícola Nacional exclusivamente para habitação pública. Não o fazendo, mais cinco anos e a situação habitacional será uma catástrofe para as famílias portuguesas.

Presidente da Câmara Municipal de Oeiras

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