Por fim a re-humanização e a salvação do planeta?
Já não se pode ouvir falar de coronavírus, pandemia covid-19, confinamento, desconfina-mento e "regresso ao normal". Afogados em informação e opinião, pouco tempo temos tido para pensar. Sobretudo de forma livre e ousada.
Ainda não vi nenhum sinal de querer "dar o salto".
Pressupostos
1. O dito vírus é só (mais) um sinal; durará, voltará, e outros virão. O combate entre espécies pela sobrevivência das mais aptas é de sempre, e só tem desfecho razoável (para nós) através de um equilíbrio ecológico que temos vindo insensatamente a destruir.
2. Antes dele (vírus), já o mundo estava a caminhar afoita e irresponsavelmente para a catástrofe, só que de forma menos imediatamente alarmante porque os efeitos se produzem a médio e longo prazo - mas igualmente irreversíveis após um certo ponto, e trágicos porque devastadores da vida humana neste planeta (o qual, tranquilamente, continuará a sua vida cósmica, mantendo nele só os seres vivos que aguentarem as condições extremas de vida que já não serão acessíveis aos humanos).
3. O nível de desigualdade económica e social, entre países e dentro de cada um, fruto do sistema financeiro especulativo mais propositadamente desregulado de que há memória, em breve atingirá um ponto de ruptura de consequências imprevisíveis - mas seguramente brutais. Já não é só uma questão de decência, é também de evitar convulsões que poderão igualmente ser sinistras. Portanto, nada de "regresso ao normal" de antes desta crise.
Oportunidade
Como escreveu Aldous Huxley, «talvez a maior lição da História seja que ninguém aprendeu as lições da História». Genericamente, isto é verdade, mas houve momentos em que - em geral a seguir a um formidável "pontapé no rabo" (metafórico) - a Humanidade lá foi conseguindo fazer mudanças (mais ou menos profundas ou até radicais) que trouxeram melhorias.
O facto de a actual crise ser universal e estar a afectar seriamente todos os países, tendo até já permitido alguma inédita colaboração científica internacional, evidencia estarmos perante uma oportunidade única de reforma profunda, que será criminoso - e provavel-mente fatal - não aproveitar. Tempo de utopias? Abertamente - e é agora ou nunca.
Propostas
1. A finalidade da existência da espécie humana não é produzir e vender, sempre mais e mais, mesmo que para isso esgote os recursos naturais do planeta, destrua o clima que lhe permite viver nele, e crie a mais desavergonhada desigualdade social. As migrações são só um pequeno sintoma do mal-estar e injustiça que grassam por esse mundo fora.
Se esta é a espécie que sobressaiu das demais porque conseguiu criar consciência e razão, deve - só pode - ser ela a perceber o que correu - e continua a correr - mal, e a repensar tudo, em particular o seu destino. O destino dos humanos é serem felizes, ponto. E é óbvio que o modelo político-económico que aqui nos trouxe já não serve (a não ser a uma minoria repugnantemente reduzida e pornograficamente privilegiada).
A instantaneidade e ubiquidade da comunicação permitem uma consciência global desta problemática, e indicam inequivocamente que qualquer solução tem de ser também global. Não haverá vencedores nem vencidos se o resultado for a extinção conjunta.
2. A transformação radical a que teremos de nos atrever deve ser pensada em função de princípios gerais simples mas de consequências urgentes:
a) repor o humano em primeiro lugar (antes da economia, sobretudo);
b) avaliar quantas pessoas este planeta pode conter em condições de vida minimamente decentes (e promover as campanhas e condições de planeamento familiar e de vida que forem necessárias até que a população mundial estabilize, ou até diminua);
c) cuidar da qualidade de vida da espécie humana (prioridade à cultura e à educação, logo após a saúde e a justiça, e seguida do direito ao lazer);
d) pensar politicamente "fora da caixa" do capitalismo versus comunismo, começando a traçar as grandes linhas da "revolução" que é preciso fazer:
d1) esquecer o crescimento económico sem fim que rebentará brevemente com a sobrevivência humana;
d2) substituí-lo por uma gestão global dos recursos - incluindo os humanos - que tenha como padrão a igualdade de oportunidades e a meritocracia (mas esta controlada para corrigir os desníveis que se tornem indecentes):
d3) estabelecer regras sensatas para a partilha dos recursos do planeta, com prioridade absoluta ao uso exclusivo de energias renováveis;
d4) acordar o controle mundial das fábricas de armamento, e a extinção a prazo das de destruição em massa;
d5) instalar a democracia a todos os níveis - mas em liberdade total (que pressupõe conhecimentos mínimos para o seu exercício):
d6) tratar do desenvolvimento exponencial das indústrias culturais e todos os seus derivados (a cultura é a forma mais inteligente - e saborosa! - do lazer).
Repito: utopia? Claro - está na hora. Na desordem para que caminha o mundo, só as utopias valem a pena - as acertadas talvez ainda possam salvá-lo.
Maestro, compositor e professor aposentado