Poluição dos navios, a 6.ª maior do mundo

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Este poderia ter sido um título de primeira página do Expresso - ou pelo menos um destaque relevante - para mais um trabalho de grande alcance do jornalista Micael Pereira. Que o conjunto dos navios do mundo constituam o 6.º maior poluidor mundial, logo a seguir aos cinco maiores países (China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Japão), é um dado muito relevante do trabalho do Consórcio Europeu de Investigação Colaborativa, financiado pelo Investigative Journalism for Europe e alguns media europeus. Além do texto na revista do Expresso, há um documentário que vale a pena ver.

Vejamos o Terminal de Cruzeiros de Lisboa e os seus gigantescos navios ancorados. Desde logo, o facto de estarem no cais não significa menos emissões: os motores nunca param e a fuligem continua a sair pelas chaminés, ainda que com menos enxofre do que no alto-mar.

Um navio-cruzeiro de grande dimensão polui, por ano, tanto quanto um milhão de veículos. As consequências podem ser medidas em qualquer cidade onde atracam e verifica-se que aumentam escandalosamente o número de partículas de poluição consideradas aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde.

Em Lisboa, no entanto, faltam números. Repare-se: foi possível fazer todo um gigantesco investimento num terminal de cruzeiros novo e não se gastar uns tostões numa estação de monitorização da qualidade do ar... Felizmente, a Câmara de Lisboa, através do projeto de instalação de 80 novos sensores da qualidade do ar, vai passar a ter indicadores. Tirar daí consequências será uma história bem diferente.

A equipa internacional da investigação Black Trail conseguiu demonstrar, desde logo que o setor naval não quer mudar as regras do jogo. A Organização Marítima Internacional, uma espécie de "Nações Unidas" dos mares, obviamente controlada pelos maiores países do planeta, consegue manter-se fora do Acordo de Paris e recusa-se a prestar qualquer declaração aos jornalistas.

Percebe-se, no entanto, através das declarações dos armadores gregos (controlam 20% da frota mundial), que o combustível barato, o fuelóleo - feito à base do pior que resta depois da refinação de petróleo -, não vai deixar de ser usado. Na verdade, explicam, os navios começaram por trabalhar a gasóleo e foram sendo transformados para fuelóleo por ser mais barato, já que é desperdício da refinação. Os níveis de poluição subiram ainda mais. Este subproduto (também o vemos sob a forma de alcatrão nas estradas) cria ainda uma fuligem que, no caso do Ártico, o torna 37 vezes pior que o CO2 comum.

Não está em causa o facto de os navios serem os menos poluidores por tonelada transportada - ainda que a indústria marítima pese 2,89% das emissões mundiais, contra 1,90% da aviação. Mas tem de haver uma mudança de paradigma - o fim do fuelóleo, com versões menos poluentes, até à chegada do hidrogénio. Guterres e Van der Leyen já colocaram o problema na agenda. No entanto, sem uma ação global dos países para mudar o paradigma de poluição dos grandes navios (a esmagadora maioria registada em offshores), nada acontece. Aliás, a crescente passagem dos grandes cargueiros pelo Ártico, com consequente emissão do carbono negro, só vai acelerar ainda mais o degelo.

Vetar cruzeiros e comprar produtos com menor pegada ecológica é a única forma de atuar de imediato contra um dos grandes problemas ambientais do nosso tempo. Assim ajudamo-los a mudar mais rapidamente...

Jornalista.

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