Polónia: um vizinho da Ucrânia não indiferente
Na Polónia o número de pessoas que temem um ataque da Rússia cresce de mês para mês, à medida que o apoio à Ucrânia aumenta. Um inquérito do CBOS publicado a 27 de outubro mostra que 76% dos inquiridos acreditam que a guerra no país vizinho ameaça a segurança da Polónia. Em comparação com o mês anterior aumentou 6 pontos percentuais. No mesmo dia, foi publicada outra sondagem, pelo United Surveys, que mostra que mais de 60% dos polacos apoiam os planos do Ministério da Defesa de aumentar o número de soldados para 300 mil. O exército conta hoje com mais de 112 mil militares. O principal fornecedor de equipamento será a Coreia do Sul, com a qual Varsóvia fechou em julho um contrato para a compra de três esquadrões de aviões FA-50, 600 obuseiros autopropulsados K9, bem como mil tanques K2. A Polónia já tem mais de 500 tanques, um dos números mais significativos na Europa.
Com a guerra na Ucrânia a importância de Varsóvia na Europa aumentou e, de acordo com alguns peritos em segurança, espera-se que nos próximos anos a Polónia e outros países do flanco oriental da NATO, como a Roménia, sejam reforçados. O vice-secretário geral do NATO Mircea Geoana, não tem dúvidas acerca disso. O político romeno, na conferência em Iasi, manifestou em outubro a sua convicção de que os próximos anos servirão para fortalecer a região, tanto ao nível político, como económico e tecnológico. Com a crescente ameaça da Rússia e uma atitude relativamente passiva da Alemanha e da França, entre os politólogos polacos torna-se dominante a opinião de que a situação atual alimenta a procura espontânea pela consolidação de forças contra a Rússia e a cooperação entre os países vizinhos da Ucrânia, concretizando assim a ideia antiga de Intermarium. Uma Europa Entre Mares, a ideia promovida pelo Marechal polaco Józef Piłsudski, o homem que na guerra de 1919-21 travou com sucesso a marcha da Rússia bolchevique em direção à Europa Ocidental. A ideia da unificação da região situada entre o Mar Negro, o Báltico e o Adriático, alimenta-se também pelo trauma de mais de quatro décadas passadas debaixo de alçada do Moscovo. Jacek Bartosiak, analista do centro Strategy & Future, vê uma possibilidade de fortalecer os laços de Intermarium com a agressão russa à Ucrânia, mas ao mesmo tempo salienta que pelo forte compromisso de Varsóvia com Kiev, a Polónia está a posicionar-se como nenhum outro país como um alvo provável da agressão militar russa. O analista aponta que um dos aeroportos polacos por onde passam os carregamentos de ajuda à Ucrânia poderá tornar-se um dia alvo de um ataque.
O empenho da Polónia na causa ucraniana é visível no maior número de refugiados recebidos a título permanente ou temporário - mais de 7 milhões (vs. 1,5 milhões em toda a Europa Ocidental), mas também no papel do representante político de Kiev. Foi graças a Varsóvia que ainda em meados de março chegou à capital ucraniana a primeira delegação estrangeira formada pelos primeiros-ministros da Polónia, Chéquia e Eslovénia. Vindos três semanas antes da visita a Kiev da chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apelaram ao Ocidente pelo maior apoio ao país sitiado. Em abril veio por iniciativa polaca outra delegação formada pelos chefes dos Estados Bálticos e o presidente Andrzej Duda. O político polaco foi já por várias ocasiões apontado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelenski como um dos que mais se entrega à causa ucraniana no palco internacional. Em maio, durante uma visita ao parlamento de Kiev, Duda apelou aos países da UE e da NATO para manterem a unidade em torno da ajuda à Ucrânia. Apesar de existir unanimidade entre países da UE sobre o apoio a Kiev, a Europa está dividida entre um Ocidente poupado (com exceção do Reino Unido), e um grupo mais generoso de países da Europa Central e de Leste. De acordo com um relatório do centro alemão IfW Kiel publicado em setembro, a Polónia com 1,8 mil milhões de dólares em ajuda militar situa-se entre os três maiores doadores a Kiev, depois dos EUA e do Reino Unido. A este respeito Varsóvia excede Berlim em 600 milhões de dólares. Nos dez primeiros países há três outros estados da Europa Central e de Leste, como a Chéquia, a Letónia e a Estónia, que enviaram entre 0,25 mil milhões e 0,34 mil milhões de dólares à Ucrânia. Além da França, com apenas 0,23 mil milhões de dólares, outros países da Europa Ocidental não constam no ranking. Em termos do apoio total, a Polónia soma aproximadamente três mil milhões de dólares, quase três vezes mais que a França. A passividade do Ocidente europeu na ajuda à Ucrânia é criticada não só pelos políticos do governo polaco, mas também pela oposição. A eurodeputada Róza Thun do partido Polska 2050, recordando a culpa da Alemanha da II Guerra Mundial numa entrevista realizada em outubro para a DW, disse que a atitude atual da Alemanha em relação à Ucrânia é dececionante e que Berlim está a fazer pouco para ajudar Kiev. Recordou que a Polónia, "que ninguém ouvia", tinha há muitos anos advertido a UE que a construção do gasoduto Nord Stream tornaria a Europa dependente do gás russo. "É bem possível que haja demasiados políticos na Alemanha que cooperam com a Rússia, têm demasiados interesses comuns (...). E agora há também este lento fornecimento de armas à Ucrânia", disse Thun.
Na opinião pública polaca domina a convicção de que a Alemanha coloca os seus próprios interesses à frente dos de outros membros da UE, chantageando com o dinheiro pago pela Comissão Europeia liderada pela ex-ministra de Defesa alemã Ursula von der Leyen. Aponta a um relatório do portal Politico de julho, que analisou os casos de violação do Estado de direito na UE, pela qual os atuais líderes da UE bloqueiam o acesso de Varsóvia aos 35 mil milhões de euros da bazuca polaca, bem como aos 75 mil milhões de euros prometidos do fundo da política de coesão, que a Polónia fica longe de principais infratores. O documento revelou que nos últimos 20 anos outros países registaram maior número de casos de desrespeito pela legislação da UE: a Itália (1.375), a Grécia (1.251), Portugal (1.185) e a Bélgica (1.039). A Polónia, foi classificada em 14.º lugar (817) e a opinião dominante é que o bloqueio aos fundos europeus pela Comissão Europeia é uma tentativa de influenciar as eleições parlamentares na Polónia, agendadas para outubro de 2023. De acordo com Izabela Leszczyna, vice-presidente da Coligação Cívica, o maior grupo político da oposição polaca, o dinheiro prometido a Varsóvia por Bruxelas só aparecerá "após a provável vitória" dos oponentes ao governo conservador de Mateusz Morawiecki nas eleições. A sua declaração apresentada na TVN24 foi interpretada por muitos como uma opinião franca sobre as intenções das autoridades europeias que tentam influenciar a situação política polaca com a pressão financeira. Varsóvia acusa Bruxelas e Berlim de quebrarem a unidade na UE face ao perigo russo, focando-se mais na luta contra os próprios aliados da UE do que nos esforços contra as ameaças militares e económicas da Rússia. Um dos políticos apontados é a atual vice-presidente do Parlamento Europeu Katarina Barley. A ex-ministra alemã em 2020 declarou que a melhor forma de disciplinar a Polónia e a Hungria na UE seria cortar-lhes o financiamento da UE e "deixá-los esfomear". As suas palavras evocaram associações aos famintos polacos pelos nazis alemães durante a II Guerra Mundial.
Embora Barley mantenha que as suas palavras foram mal interpretadas e que a declaração na rádio Deutschlandfunk apenas se referia ao primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, na Polónia não se esquecem do empenho da política alemã de vincular a UE a Moscovo. Contribuíram para isso as suas visitas ao canal de televisão pro-Kremlin Russia Today. "Continuamos numa relação estreita com a Rússia (...). A Rússia é e continuará a ser o nosso parceiro", disse Barley naquele canal em 2019, ou seja, cinco anos após a ocupação russa da Crimeia. Além disso, apesar do embargo os principais Estados da UE forneceram armas a Moscovo. De acordo com o portal Disclose, entre 2015 e 2020, a França e a Alemanha venderam armas à Rússia por 152 milhões e 121,8 milhões de euros, respetivamente. Ambos os países representaram 79% de todas as exportações militares da UE para a Rússia.
Com a guerra na Ucrânia abriu-se um novo capítulo nas relações germânico-polacas. Em setembro Varsóvia apresentou a Berlim as suas exigências relativamente a indemnizações da II Guerra Mundial. O assunto circulava há anos no debate político polaco. Em 2004 o parlamento polaco exigiu do governo em Varsóvia formalizar as suas exigências. O líder informal da oposição polaca Donald Tusk pediu na altura a concretização do pedido apontando que "a penitência alemã nunca acabará", tal como as solicitações polacas não prescreverão. Hoje o ex-presidente do Conselho Europeu acha que o atual governo em Varsóvia usa o assunto "a favor da sua campanha política". Entretanto o governo de Morawiecki estima os estragos em 1,3 biliões de euros. Espera também a restauração do estatuto de minoria nacional retirada aos polacos desde o III Reich, bem como a devolução das obras de arte saqueadas pelas forças ocupantes. Segundo o Ministério da Cultura da Polónia a base de dados de perdas da guerra conta com o registo de 66 mil objetos.
Varsóvia em matéria de reparações segue as exigências gregas e namibianas pelas políticas da Alemanha nos territórios ocupados no século XX. Enquanto Berlim se recusa a pagar a Atenas e a Varsóvia, "tratando o caso como encerrado", admite ceder à Namíbia, onde os alemães cometeram genocídio contra duas tribos entre 1904 e 1908. Como indemnização a Alemanha pagará 1,1 mil milhões de euros durante os próximos 30 anos. O eurodeputado Zdzislaw Krasnodebski, do partido polaco co-governante Lei e Justiça (PiS), recorda que a Alemanha há muito nega a responsabilidade por crimes na sua antiga colónia africana, tal como está atualmente a fazer em relação à Polónia, onde, em resultado da guerra provocada pelo III Reich, a Polónia perdeu 6 milhões de cidadãos, um terço do seu território e quase por completo a sua capital Varsóvia pela destruição. Avaliando as exigências polacas o professor Stephan Lehnstaedt, historiador do Touro College em Berlim, acredita que "o pagamento de indemnizações justas à Polónia", é uma obrigação histórica da Alemanha. "Não pode responder a alegações sérias com esmolas, caso contrário perde credibilidade", disse Lehnstaedt, sublinhando que a Berlim não cabe rejeitar as exigências de Varsóvia por razões morais. Arkadiusz Mularczyk, secretário do Estado no MNE polaco, concorda com a opinião: "Agora veremos se a Alemanha é realmente um Estado de direito".
dnot@dn.pt