Política
A política suscita naturalmente paixões. Às vezes, porque envolve ideais, valores, projectos de mudança. Mais frequentemente, porque implica luta pelo poder, rivalidades, alianças e traições. E na política está sempre presente uma enorme carga de afectividade: mesmo os ditadores têm de seduzir o povo. São os ingredientes essenciais para uma tragédia. Recordem-se as tragédias de Shakespeare - quase todas têm a ver com política. Mas hoje a política é raras vezes matéria para produções teatrais. Uma excepção é a peça Democracia, de Michael Frayn, em cena no Teatro Aberto, em Lisboa. Já por ali passara uma outra peça do mesmo autor, Copenhague, sobre os dilemas morais de dois físicos nucleares que em 1940 trabalhavam para produzir bombas atómicas, o dinamarquês Niels Bohr e o alemão W. Heisenberg.
Agora trata-se de Willy Brandt, que em 1969 se tornou o primeiro chanceler alemão de esquerda desde há mais de quarenta anos, mas em 1974 se demitiu após ser descoberto que um dos seus assessores espiava para a Alemanha comunista. Assim caiu o político que mais fez pela normalização das relações entre a RFA e? o Leste. Com uma notável encenação de João Lourenço, Democracia revela as contradições profundas que podem marcar a acção política. Nada é simples. O espião traía a Alemanha Federal por fidelidade ao comunismo, que em breve iria ruir, e traía Brandt ao mesmo tempo que o idolatrava. Willy Brandt tinha uma relação de amor/ódio com a Alemanha e sentia-se interiormente dividido. Por isso hesitava.
Pode encontrar-se nesta peça um ou outro paralelismo com a presente situação política portuguesa. Mas são semelhanças superficiais. A mim impressiona-me sobretudo o contraste. A nossa mesquinha política doméstica não tem dimensão trágica. É demasiado fútil para tal grandeza.