Política sem limites
Não há crise económica, não há taxa recorde de desemprego, nem perda de valores sociais que detenham os titulares de cargos públicos e políticos em Portugal. Como se viu ontem no Parlamento, os reais problemas dos portugueses interessam pouco a quem foi eleito para os resolver.
Manuela Ferreira Leite voltou a pressionar a justiça e insistiu que vê com bons olhos a divulgação das transcrições das conversas do primeiro-ministro com Armando Vara. A mesma pessoa que os barões do PSD levaram à liderança para tirar o partido das mãos dos "não credíveis", que não excluiu o amigo António Preto (suspeito de fraude fiscal) das suas listas com o argumento de que se o fizesse estaria a "antecipar-se à justiça" e que considerou a saída de Dias Loureiro do Conselho de Estado "um problema do foro íntimo", não faz agora outra coisa senão pressionar a justiça, exigir explicações e debitar insinuações.
José Sócrates tem do que se queixar. Mas o fato da inocência não lhe assenta tão bem como os Armani que gosta de vestir. Mesmo quando fica na retaguarda, o primeiro-ministro tem apadrinhado o jogo da intriga política. Fê-lo quando Vital Moreira associou o PSD à "roubalheira" do BPN ou mais recentemente quando Vieira da Silva falou em "espionagem política". Ou ainda, de forma directa, quando tentou iludir os portugueses sobre o que sabia do negócio da venda da TVI.
Além disso, não fosse ter achado que tinha controlado e não teria arriscado a dizer pelo telemóvel aquilo que, mesmo não sendo crime, sabia poder um dia vir a ser politicamente usado contra si. Um erro, básico na era da vigilância electrónica, que ameaça custar-lhe caro como nada antes. Por mais injusta, mal-intencionada e perigosa que seja a eventual (e, pelo que se tem visto, quase inevitável) divulgação das suas conversas privadas com um amigo.
Paulo Portas e Francisco Louçã aproveitaram o choque do bloco central para marcarem pontos à direita e à esquerda. O primeiro, ao centrar o debate nas questões que lhe são convenientes, não fazendo a Sócrates aquilo que não quer que lhe façam a ele. E o segundo porque voltou a usar o erro de Sócrates sobre o negócio da PT com a Prisa para desgastar o primeiro-ministro e credibilizar a demagogia bloquista.
O nível da nossa democracia há muito que baixou além do mínimo tolerável, mas parece ainda longe de parar de descer. Pelo menos, enquanto os protagonistas forem estes.
O problema é que neste cenário e com estes actores Portugal continuará a caminhar num longo beco sem saída. E só por milagre alguém diferente deles quererá entrar neste filme.
Lisboa e Porto não sabem voar
A polémica a que se tem assistido sobre a próxima edição da Red Bull Air Race é um retrato queirosiano do Portugal de hoje. Um país quase sem nada, onde se arrisca perder o pouco que se tem por vaidade e mesquinhez. Compreende-se que Lisboa ambicione um evento de sucesso como este, e que o Porto se sinta revoltado por o perder. Reprova-se é que as duas cidades alimentem uma polémica que ameaça deixar as duas sem nada, em vez de se unirem em busca de uma solução que permita ao País conseguir as melhores contrapartidas da organização.
Pais, filhos e computadores
Os estudos sociológicos são claros: hoje, crianças sem acesso à Internet têm grande dificuldade em escapar à exclusão social. Os pais, uns por preocupação, outros por mero facilitismo, tudo fazem para ajudar os filhos a integrarem-se. Mas muitos nem sabem o que estão a fazer. E, quando os filhos são apanhados a ver pornografia no computador, como esta semana numa escola básica da Maia, todos são culpados menos eles. Errado. Além disso, pedir explicações a quem constrói as máquinas de pouco serve. Como num carro ou numa faca eléctrica, a chave do êxito está sempre em quem as utiliza. Tratando-se de crianças, a responsabilidade é, obviamente, de pais e professores.
O Rio vai deixar de ter vidros partidos
O governo de Rio de Janeiro contratou o ex-autarca de Nova Iorque Rudolph Giuliani para resolver o problema de insegurança que assola a cidade. Raras vezes os políticos interpretam tão bem o lema olímpico citius, altius, fortius (mais longe, mais alto, mais forte). Em Portugal já haveria decerto quem estivesse a discutir os honorários de Giuliani, mas no Brasil o assunto está, para já, centrado no que interessa. Há problemas cujas soluções não têm preço. E a insegurança para um país que vai organizar os Jogos Olímpicos é um deles. A tarefa parece impossível. Hoje. Mas Nova Iorque também era a capital do crime no início da década de 90 e após dez anos estava transformada na cidade segura que se conhece. A receita do sucesso é famosa, e Giuliani já disse que vai voltar a usá-la. Não ligar ao vidro partido de uma janela deixa margem para que outros vidros se partam. E quando não houver mais vidros outros crimes se cometem. Na "teoria do vidro partido" reprimem-se os pequenos delitos com a mesma determinação que se combate os grandes crimes. E, ao mesmo tempo, investe-se nas condições, na saúde e na educação da comunidade.