Política económica. O que une e o que separa os candidatos do PS
Ouvir as intervenções públicas dos candidatos à liderança do Partido Socialista (PS) e ler as suas moções, apresentadas no início do mês, faz recordar a célebre música de Rui Veloso O primeiro beijo, cujo refrão repete: "É muito mais aquilo que nos une, do que aquilo que nos separa". Assim é também o caminho apontado por Pedro Nuno Santos (PNS) e por José Luís Carneiro (JLC), que se apresentam a sufrágio já hoje, data marcada para o arranque do XXIV Congresso Nacional do PS, que termina no sábado, 16 de dezembro. Serão dois dias de luta interna pelo lugar de futuro candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas marcadas para 10 de março de 2024, e o tempo também para cada um mostrar ao que se propõe.
Apesar de personalidade e imagem pública distintas, o ponto de partida das suas propostas é genericamente semelhante, bem como as prioridades definidas. Crescimento económico, emprego, trabalho digno e melhores salários, mais habitação e reforço de investimento na saúde são as bandeiras das duas principais candidaturas, que convergem também no elogio ao caminho seguido pelos governos de António Costa, nos últimos oito anos. Contudo, as políticas e fórmulas para atingir estas metas são menos convergentes, com Pedro Nuno Santos a seguir um caminho que reforça o papel e a intervenção do Estado e José Luís Carneiro a orientar a sua estratégia para um maior equilíbrio entre público e privado.
A visão sobre a forma de lidar com a dívida pública é, talvez, a maior diferença entre os dois candidatos, apesar de ambos defenderem a importância do "legado" das contas certas deixado por António Costa. PNS defende um equilíbrio entre a redução da dívida, o investimento público e o estímulo à economia, afirmando que "uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental de que o Governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos, e para apoiar as famílias e as empresas". O candidato defende, por isso, uma discussão sobre o ritmo dessa descida, uma posição bem distinta da que manifestava em 2011, quando disse "os alemães que se ponham finos ou não pagamos", argumentando que Portugal se devia impor quanto às condições de pagamento exigidas pelos parceiros europeus.
A visão de JLC é a de que "foi possível, e continuará a ser, garantir o equilíbrio orçamental sem pôr em causa o crescimento e o investimento" e assim reduzir o peso da dívida pública, garantindo um "porto seguro" para a economia portuguesa, num cenário de incerteza internacional". Na moção deixa ainda uma crítica explícita ao adversário quando diz que "não compreender a necessidade de reduzir a dívida pública é não compreender o risco que recai sobre a economia portuguesa, as empresas e as famílias".
Na perspetiva do economista João Duque, "José Luís Carneiro tem razão ao escolher um caminho que mantém o investimento, enquanto reduz a despesa corrente para fazer convergir a dívida, uma vez que a dívida é um sobrepeso e um problema que retira margem de manobra nos momentos em que possamos vir a necessitar deles." Foi assim na pandemia de covid, recorda, e será assim também caso se adense um cenário de crise económica, retirando ao Estado a capacidade de apoiar as empresas e a economia.
Para Manuel Caldeira Cabral, professor universitário e ex-ministro da Economia de um governo socialista, entre 2015 e 2018, "os dois candidatos deverão manter a linha das contas certas, não me parece que haja uma divisão muito grande, nem no discurso, nem nas moções. O Pedro Nuno Santos, num contexto de saldo positivo, admite alguma flexibilidade, mas dentro da ideia de um saldo equilibrado das contas públicas", sublinha Caldeira Cabral, que se assume como independente, embora simpatizante do PS.
Mas o antigo governante sublinha que "mais importante é como se posicionam os candidatos nas questões económicas para além das finanças públicas". E, nessa matéria, considera, cada um dos candidatos coloca "maior enfoque em algumas áreas em que possam ter mais experiência". José Luís Carneiro na internacionalização da economia, e Pedro Nuno Santos nos apoios à inovação empresarial. O primeiro foi secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e Caldeira Cabral destaca "a dimensão económica forte que colocou na relação com as comunidades, onde há portugueses, em França, Estados Unidos ou Canadá, com grande poder económico", procurando atrair investimento para Portugal.
Pedro Nuno Santos aposta no "reforço dos apoios às empresas, que não é nada contraditório com a política de esquerda", sublinha o ex-governante. Aliás, Caldeira Cabral diz que o apoio à inovação empresarial tem sido bastante vincado por PNS na sua campanha à liderança, uma área "que se destacou muito na política económica do PS nos últimos anos, com os centros tecnológicos, aumento do número de patentes, apoios às startups, com políticas a nível orçamental".
Para Paulo Coimbra, Investigador do Observatório e Crises Alternativas da Universidade de Coimbra, a questão da dívida tem de ser relativizada. "Aqui o diagnóstico não pode passar por uma competição entre dois candidatos, em que um diz "eu sou honesto", o outro diz "eu sou mais honesto", ou "eu sou homem de Estado" e "eu sou mais homem de Estado". Para o Estado, a sua primeira obrigação é garantir que a economia como um todo seja viável e não ficar obcecado com o seu próprio equilíbrio financeiro, pois fica incapacitado de cuidar do equilíbrio financeiro das famílias e isso é verdadeiramente importante, porque é o elo mais vulnerável".
Nesta matéria, defende que "Pedro Nuno Santos está muitíssimo melhor preparado, e quando vem agora dizer que foi uma formulação infeliz aquela de fazer tremer as pernas dos alemães, em 2011, está a participar desta prática institucionalizada na disputa do poder em países como em Portugal, seguindo o princípio de que é preciso conquistar o centro e por isso moderar o discurso", afirma. " Mas penso que o Pedro Nuno Santos não disse o que disse em 2011 por acaso. Mostra ser um candidato que percebe muito melhor qual é o desafio que o país enfrenta que é um desafio de equilíbrio das contas externas de um Estado que tem as despesas de investimento permanentes que criam para si uma situação deficitária, mas que criam as condições para se superar o desafio do setor privado e ele parece-me muito mais preparado para este combate", acrescenta.
Já na área dos impostos, PNS defende que baixar o IRS não traz benefício à quase metade dos portugueses que não têm rendimentos tributáveis e aposta, por isso, na redução do IVA e de outros impostos indiretos. "Seria importante estudar formas de reduzir a tributação indireta que mais impacta no rendimento disponível das famílias com mais baixos rendimentos", pode ler-se na sua moção. Uma proposta que, na visão de João Duque, "não faz sentido, uma vez que diminuir a tributação indireta é uma forma de beneficiar os mais afortunados", disse ao DN.
Já JLC aponta baterias ao IRS, propondo a reposição da dedução fiscal em sede de IRS dos encargos com juros como uma medida de apoio às famílias no que diz respeito ao crescimento da prestação creditícia. Trata-se de uma proposta mais em linha com as políticas seguidas pelo governo cessante.
Impulsionar o crescimento económico através da subida dos salários é tema partilhado por ambos os candidatos. No entanto, PNS defende o aumento do salário mínimo numa perspetiva plurianual, a par com um "fortalecimento da negociação coletiva e o investimento em qualificação". JLC apresenta uma abordagem que, na perspetiva de João Duque, é "interessante", e que visa reduzir a diferença face ao salário mínimo praticado em Espanha, ao longo dos próximos quatro anos. Recorde-se que, atualmente, se pagam 760 euros em Portugal e 1080 no país vizinho, cerca de 300 euros de diferença. "Pode ser uma fórmula de motivação comparar com o mercado mais próximo do nosso e aquele com quem temos fortes relações comerciais", aponta o economista.
Sobre os salários da função pública, ambos os candidatos defendem a valorização das carreiras e dos regimes remuneratórios, com JLC a deixar uma ideia mais vaga no que se refere ao tema da recuperação do tempo de serviço dos professores, dizendo apenas que se compromete a "renovar os acordos de Concertação Social, em matéria de salários e competitividade, e os acordos com os sindicatos da Administração Pública relativos a remunerações". PNS é mais claro ao dizer que é preciso "voltar a negociar com as associações representantes dos professores as regras relativas ao tempo de serviço".
Os dois reconhecem que só com salários mais atrativos será possível atrair e reter os melhores talentos na administração pública, sublinhando igualmente a importância da tecnologia ao serviço de uma gestão de recursos - humanos e materiais - públicos mais eficiente.
Manuel Caldeira Cabral vinca o "posicionamento mais centrista de JLC, e mais de esquerda - de soluções mais ligadas ao Estado - de PNS, notório na campanha", mas considera que ambos os candidatos, com quem se cruzou e trabalhou quando esteve no Governo como ministro da Economia, "são capazes de atuar num conjunto de temas muito grande". Com C.A.R.