Política britânica para as drogas refém de políticos e tablóides conservadores

Nick Clegg reconhece que as perceções da sociedade são cruciais para um político
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O ex-governante britânico Nick Clegg considera que a política do seu país para as drogas está refém de uma máquina estatal e uma imprensa muito conservadora e a liberalização só acontecerá quando mais países seguirem o exemplo português.

O político Liberal Democrata, antigo vice-primeiro-ministro, tentou promover o debate do fim da criminalização da posse de droga para consumo pessoal, que existe em Portugal, durante o período em que esteve no governo de coligação com o partido Conservador, entre 2010 e 2015, mas os 'tories' não aceitaram.

Por outro lado, apontou o dedo a "um grupo de tabloides conservadores fanáticos como o Daily Mail, que sentem que qualquer mudança em qualquer circunstância é mau", lamentando: "É difícil ter um debate racional e imparcial no Reino Unido, apesar de existirem alguns projetos muito progressistas e inovadores a acontecer no terreno".

Clegg falava à agência Lusa enquanto membro da Comissão Global sobre Política de Drogas, que hoje publicou o mais recente relatório intitulado "The World Drug Perception Problem" [O Problema Global da Perceção das Drogas].

Embora reconheça o impacto negativo que o consumo de drogas pode ter na vida das pessoas, os autores do relatório hoje publicado consideram que as reformas das políticas têm sido difíceis de realizar, projetar ou implementar devido aos preconceitos e valores morais prevalecentes.

O documento procura analisar as perceções e medos mais comuns, confrontá-los com dados disponível sobre drogas e sobre as pessoas que as consomem e, consequentemente, fazer recomendações que podem apoiar reformas para políticas de drogas mais efetivas.

Clegg referiu a existência de algumas experiências britânicas a nível local, como em Durham, no norte de Inglaterra, onde o comissário para a Polícia e Crime decidiu em 2015 descriminalizar a posse e cultivo de canábis para consumo pessoal, estando em estudo alargar para drogas mais duras.

"É uma experiência que está a ser muito eficaz e está agora a espalhar-se para outras partes do país", garantiu.

Este movimento de bases, a nível local, pode juntar-se à pressão que será exercida junto do Reino Unido pelo número crescente de países que tem introduzido reformas ou está em vias de o fazer, como Portugal, Suíça, Alemanha, Holanda, Irlanda, Nova Zelândia, Canadá e até no estado norte-americano da Califórnia.

"Penso que ajuda quando outros países com níveis semelhantes de desenvolvimento introduzem reformas, porque encoraja os seus vizinhos e aliados e amigos a seguir o exemplo. Acho que isso tem um grande impacto", acredita.

O antigo vice-primeiro-ministro reconhece que as perceções da sociedade são cruciais para um político e que é difícil fazer política contra essas perceções, mesmo se não são fundamentadas em factos, nem objetivas e quando são "ensombradas por uma linguagem cheia de juízos de valor morais".

"É por isso que temos este desequilíbrio estranho em que muitas pessoas consomem uma droga muito forte como o álcool ou a nicotina de uma forma que é culturalmente aceite, porém existem drogas, algumas das quais menos nocivas, que são consideradas culturalmente e moralmente inadmissíveis", explicou.

Clegg receia que este ambiente "leva a uma forma muito irracional de tentar reduzir os efeitos da droga na saúde das pessoas, que ao fim de contas é o objetivo final da Comissão Global, que é de fazer uma abordagem baseada em factos para reduzir o mal nos indivíduos e na sociedade".~

Perceções erradas sobre o consumo de drogas alimentam políticas de proibição e repressão que continuam sem resolver o problema, alerta um relatório internacional publicado hoje em Londres, em que Portugal é considerado um exemplo positivo.

O relatório "The World Drug Perception Problem" [O Problema Global da Perceção das Drogas], produzido pela Comissão Global sobre Política de Drogas, pretende desmistificar juízos feitos sobre o tema por jornalistas e líderes de opinião, políticos ou pelas autoridades.

A Comissão é composta por 25 membros com experiência como líderes políticos, científicos e empresariais, incluindo 12 ex-chefes de estado ou ministros, um ex-secretário-geral da ONU e três Prémio Nobel.

O antigo presidente de Timor Leste José Ramos Horta juntou-se em novembro ao grupo, que inclui, entre outros, os antigos presidentes de Portugal e do Brasil Jorge Sampaio e Fernando Henrique Cardoso, o empresário Richard Branson, o antigo vice-primeiro-ministro britânico Nick Clegg, o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan ou o escritor Mario Vargas Llosa.

Nos seis relatórios anteriores, abordou questões como o impacto das políticas atuais nas pessoas e o seu insucesso em reduzir a produção e o consumo de drogas ilegais e em travar organizações criminosas.

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