Polícia resgata deficiente escravizado nos carrocéis
"Agora estou bem", suspira Jorge Sousa. Tem 31 anos, é portador de uma deficiência mental e esteve mais de um ano a trabalhar contra vontade numa empresa de divertimentos ambulantes até ser resgatado por uma equipa da PSP de Viana do Castelo, depois de agredido e ameaçado de morte pelo patrão, como o próprio contou ao DN.
A história de Jorge, "especialista" em electricidade, tem mais de ano e meio, quando passou a trabalhar para um empresário de carrosséis. "Ajudava a montar e desmontar os divertimentos, limpar e tratar da electricidade". Ao fim de pouco tempo surgem os problemas: "Troquei uns fios e a ligação eléctrica queimou. Tudo começou aí", conta. O patrão, com residência em Espanha, obrigou-o a pagar com trabalho o arranjo dos equipamentos, mas sem nunca lhe apresentar a conta da avaria. "Eu queria saber quanto devia, mas nunca me disse. Fez-me trabalhar." Estava numa festa em Famalicão e, receoso, encetou a fuga de regresso a Viana. "Passado uma semana veio buscar-me. Eu preferia pagar o arranjo de outra forma, mas obrigou-me a regressar". Os 150 euros mensais que lhe atribuía passaram, então, a reverter para a alegada reparação de uma máquina de fumos e algumas lâmpadas. "Adiantava-me cinco euros por dia, quando lhe pedia, e dava-me de comer. Fora isso nunca me pagou ao fim do mês", garante.
A situação foi-se agravando nos últimos meses, com alegadas agressões por parte do patrão e várias ameaças a cada engano na montagem do carrossel: "Chegou a dizer-me: 'dou-te dois tiros que te mato'. Cada vez tinha mais medo", recorda, angustiado, recordando o desespero: "Eu queria sair dali, mas ele não me deixava. 'Quando pagares o que deves é que te vais embora, dizia-me'." O próprio bilhete de identidade foi-lhe retido pelo patrão sem justificação.
"Estava preso e contra a minha vontade. Era como um cão, preso à corrente", diz, emocionado. Num verdadeiro clima de terror, Jorge correu festas um pouco por todo o Norte de Portugal e até na Galiza. Nas últimas semanas começou a fazer telefonemas para um amigo, em Viana do Castelo, mas sem dizer muito sobre a situação, já que nunca estava sozinho. Amigos há 17 anos, Carlos percebeu que algo não estava bem. "Deixei de saber dele. Depois começou a ligar-me, mas com uma voz muito estranha e resolvi contar a situação à polícia", recorda o amigo. Ao fim de dois dias de investigação, uma equipa da PSP de Viana do Castelo deslocou-se, sexta-feira, a Cabeceiras de Basto e resgatou Jorge do carrossel.
"É um caso que configura escravatura no século XXI", reconheceu ao DN o comandante da PSP de Viana, que tomou o caso em mãos. "Além de outros crimes, como ameaças à vida e extorsão, configura sequestro, ou seja uma pessoa que é obrigada a permanecer num espaço contra a sua vontade", explicou o intendente Martins Cruz, sublinhando: "O nosso pessoal resgatou-o daquele cativeiro e deu-lhe de comer. Estava pele e osso", diz. O caso já foi participado ao Tribunal de Viana do Castelo e seguirá para a Polícia Judiciária, entidade competente para a investigação. O patrão, garante a polícia, está identificado, mas não se encontrava no local quando Jorge foi resgatado.|