"Podia ter sucedido em Macau o que aconteceu em Timor"

Entrevista ao tenente-general do Exército e presidente da Liga de Combatentes, Joaquim Chito Rodrigues
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O que é que o levou a escolher a carreira militar?

As circunstâncias da vivência de juventude. O ambiente familiar era de Exército e eu era um indivíduo do interior. Em Castelo Branco havia dois quartéis, Cavalaria 8 e Batalhão de Caçadores 6.

Quando é que entrou e para que especialidade?

Com 17 anos e para Infantaria. Fui convicto, embora tivesse voluntariamente feito o despeneiranço em Cavalaria. Era uma prova de equitação em que valia tudo menos ficar de pé em cima do cavalo! Eu, que nunca tinha caído, ainda hoje tenho [sorrisos] a marca de uma ferradura na perna esquerda da bota alta... a minha vida militar tem duas vertentes: uma ligada à instrução e ao ensino, a outra às operações e informações.

Participou na guerra colonial...

Marchei para Angola em 1962 e fiquei 20 meses nos Dembos, onde estava a ser feito o esforço de guerra. Fui oficial de operações. Em 1969 fui mobilizado outra vez e nesta segunda comissão foi feita a mudança de esforço estratégico das operações do norte para o leste, com base num estudo meu e proposta minha, enquanto nº2 das operações em Angola. A proposta já tinha sido feita antes, já lá tinha estado, conhecia a guerra e rapidamente percebi que o inimigo tinha mudado a sua estratégia em 1966. Mas em 1969 ainda estávamos virados para o norte! Foi talvez a maior operação feita em Angola... a zona militar leste passou de quatro para 11 batalhões e com um comando no Luso, de maio a outubro de 1970 mudou--se o dispositivo e fez-se a mudança do esforço terrestre e aéreo... demorei três horas a explicar isto ao comandante-chefe, general Costa Gomes. Tive de arranjar quartéis, sete batalhões para fazer os 11... a primeira operação no leste foi feita com três helicópteros Pumas, que davam grande mobilidade às forças. Em 1974, a situação no leste estava resolvida e quase só havia ações esporádicas nos Dembos. Basta ler os livros de Lúcio Lara.

Quantas comissões cumpriu?

Quatro, por imposição ou nomeação. Nunca fui voluntário, nem para a DINFO. Além de Angola, cumpri outras duas em Macau. Pelo meio, em fevereiro de 1974, fui ao Brasil fazer o curso de Estado-Maior.

Então não viveu o 25 de Abril...

Não é a conclusão que se pode tirar. Estava a caminho de Belo Horizonte, numa viagem de estudo com outros oficiais estrangeiros. A televisão deu a notícia ao jantar e os americanos saltaram-me em cima. Disse-lhes "não se preocupem que Portugal costuma resolver os seus problemas por si próprio e este também vai ser resolvido". Tinha-me apercebido do problema dos capitães milicianos, participei nalgumas reuniões... quando percebi que a coisa funcionou, tive reuniões com comendadores e com o cônsul para acalmar a comunidade portuguesa com significado no Rio. Por iniciativa própria e por ter noção que era preciso ter calma, fui a muitos almoços e há fotos dessa minha ação. A 10 de junho de 1974 preparei a visita de uma missão do MFA ao Rio de Janeiro. Essa delegação também levou uma certa tranquilidade, apaziguou as pessoas. Regressei no final de 1974 e depois fui para Macau.

Também havia agitação?

Macau é algo insuficientemente contado. Podia ter sucedido o que aconteceu em Timor. Em Macau também houve um PREC, havia duas fações e quem quisesse entregar logo o território, movimentos políticos que se aproveitaram do pensamento dos militares... também houve um verão quente, mas o 25 de novembro foi mais cedo e como foi bem resolvido não faz parte da história. Isso garantiu a descolonização exemplar do território, 20 anos depois.

Teve poderes militares e civis...

Fui 11 vezes encarregado do governo e numa delas orientei as exéquias à morte de Mao Tsé-tung. Promovi um jogo de futebol entre a China e Macau... perdemos 4-1, ainda me lembro bem!

Em 1988 foi chefiar as secretas...

Fui diretor do serviço de informações militares [SIM] e das estratégicas de defesa [SIED]. Nunca trabalhei dados sobre a situação interna, pois tinha sido criado o SIS. Tive duas missões e assumi-as.

Como foi adaptar o Exército no pós-guerra colonial?

A adaptação estrutural do Exército deu-se com a redução do serviço militar obrigatório. Em 1992 fui para comandante da Instrução, fiz os planos Charlie... é a adaptação do Exército aos quatro meses, que só davam para garantir a sobrevivência no campo de batalha.

Quais foram as experiências profissionais mais marcantes?

O que fiz nos processos de paz em Angola e Moçambique, enquanto diretor das informações.

Que diferenças encontra entre ser militar e civil?

Há grandes diferenças, que se resumem em poucas palavras. O militar integrou-se num sistema de valores pelos quais entendeu que valia a pena lutar, se necessário com sacrifício da própria vida. Só o serviço militar que abraçou lhe garantiu, enquanto jovem e cidadão, a transmissão desses valores.

Como vê o papel das Forças Armadas num país como Portugal?

Têm de estar preparadas para garantir a liberdade de ação dos governos, ser um braço armado da sua política externa, chefiar a resistência do povo face a qualquer invasão estrangeira.

Acha que isso pode ocorrer?

Com a Europa como está, acha que isto está seguro? E que o continente não vai ter outras fronteiras?

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