Rodrigo Guedes de Carvalho esteve dez anos sem publicar um livro. Regressa com O Pianista de Hotel uma década depois e com uma narrativa capaz de seduzir parte da crítica. Considera que o facto de ser um rosto que aparece na televisão não tem sido uma grande ajuda e dá como exemplo as más vendas de Canário, o romance que o afastou por alguns anos da escrita. Diz sobre a presença no ecrã que "tem sido um injusto handicap, porque há a tendência para me colarem a outras pessoas alegadamente famosas porque também escreveram um livro". Mas não se fica por esta acusação: "Resta saber se escreveram os livros ou não, mas isso é outra história...".Estará na Feira do Livro amanhã para autografar o seu novo romance..Tem um personagem que diz "os romancistas não escrevem coisas a sério, são mentirosos que inventam por inventar". É autobiográfico?.De algum modo é. O romance é sobretudo um trabalho e quando estou a elaborar uma frase há um lado cerebral para provocar uma emoção. Nesse sentido, estou a ser mentiroso. Também não acho que se um escritor não tiver dentro de si essa capacidade emotiva de sentir, por melhor artífice que seja, não a vai conseguir traduzir. Essa frase do personagem, no entanto, é um momento em que pisco o olho ao leitor..Não há perigo de o leitor confundir o autor com as personagens?.Não tenho essa preocupação. Porque com cinco livros na bagagem e muita exposição pública não vou pensar no que cada um acha ou corro o risco de enlouquecer. Parto do princípio que estou a escrever para pessoas inteligentes, os da minha média, e que perceberão que a ficção é isso mesmo: ficção. Irrita-me quando as pessoas começam a ler a acham que estão lá..Já disse que este é um livro com "alguns filhos da puta". Porquê?.Se o leitor sentir que o personagem é um filho da puta o meu trabalho ficou bem feito. Por outro lado, preciso de pôr o cabrão num sentido da origem do drama grego, o de alguém que cause embaraços ao protagonista. Ponho o filho da puta como um saco de pancada para lhe bater. Essas descrições são, realmente, muito cruas e gráficas..Na p. 37 evita a descrição física de Luísa. É por pudor ou um truque?.Essa é a grande diferença em relação aos livros anteriores. Desta vez sou um narrador clássico e atuo como mediador. Achei que podia dar mais mistério às personagens e reparei que numa delas, a do enfermeiro, sobre o qual eu nada dizia, todos os que leram eram capazes de fazer uma descrição física dele. No caso da Maria Luísa, precisei de fazer a sua descrição física para saber ao que vamos, mas nessa página evitei para não ser demasiado óbvio..Porquê esta alteração de registo?.Num silêncio de dez anos acontecem muitas coisas. Quando comecei a escrever, reparei que estava a fazer como narrador clássico e tornou-se confortável. E andou tão rápido que ficou escrito em 4 meses..Fez um plano para o livro antes?.Tento que não haja um plano que me estrague o romance. Preciso de ter uma ideia de arranque e quero estar muito disponível para o que o livro tem a dar-me. Crio um naipe mínimo de personagens e, durante a escrita, as outras vão entrando sem dar conta. Batem-me à porta. Portanto, deixo maturar um quinto da ideia e só então começo a escrever. Nesse momento, obrigo-me a fazê-lo todos os dias pois tenho medo de perder o livro. Há dias de duas folhas, outros de doze..O que tinha para este livro?.Tinha duas coisas: um pianista de hotel e a frase que faz nascer a Maria Luísa - "O nosso corpo chega sempre aos outros antes de nós". Foi com estas ideias simples que arranquei..Porquê dez anos de intervalo?.A resposta não é poética, estive ocupado. Também coincidiu com o facto de o Canário ter passado despercebido, o que me deixou um pouco zangado com o mercado. Não gostei de ver o livro ser retirado ao fim de seis dias porque chegaram cinco livros de cozinha e de autoajuda. Não estive para isso, escrever dá muito trabalho. Recentemente, voltei a sentir que a literatura é a minha casa e fico feliz a escrever. Entre perdas e ganhos, o livro pode ter que dar lugar a um livro de um cozinheiro famoso ao fim de uma semana, mas decidi correr o risco..Tem um novo registo, mais calmo e distante do jornalismo....Não tenho nada a ver com o jornalista da televisão. Comecei a escrever e nem sequer sonhava ser jornalista. Podia ter sido eletricista ou médico, mas teria o mesmo desejo de escrever..Quais são as grandes influências?.Uma das minhas maiores influências atuais são os meus livros anteriores. Li dois deles para recordar em que ponto estava a minha voz e se continuava a gostar daquilo. Foi só do que precisei para recomeçar..Voltaria a escrever os livros anteriores ou faria diferente?.Mudaria coisas. A primeira tentação é no Daqui a Nada, escrito aos 20 anos. Quando foi reeditado, preferi mantê-lo como ele e eu éramos. Com os outros ainda estou contente. Mudaria excessos e seria mais seco mas estou orgulhoso deles. Não sou como muitos autores a renegarem a merda que fizeram..O Canário foi injustiçado?.Gostei dele e ainda gosto. Esperava por aclamação e foi um balão que esvaziou antes do tempo..Do Pianista de Hotel, o que espera.Mentiria se dissesse que não me importava se as pessoas gostassem ou não. Isso inclui os críticos, mesmo que não saiba bem o que isso vale. Gostaria que o livro fosse gostado, sem dúvida.