Se os portugueses fizerem as contas à sua quebra de poder de compra vão chegar à conclusão de que poderão perder cerca de 120 euros mensais ou 1400 euros ao longo de todo este ano. É a factura da austeridade, num país em que o salário médio não chega aos 780 euros e que acaba de entrar em recessão, a ameaçar novas medidas de austeridade..Essa é a conclusão de um estudo levado a cabo pela CGTP, a que o DN teve acesso, que soma os aumentos de preços relativos a despesas fixas médias de uma família, estimadas pelo INE, associados a reduções de apoios sociais, como abonos de família ou comparticipações de medicamentos e ao agravamento do IVA (ver infografia). O Banco de Portugal já estimou para este ano a quebra do rendimento disponível das famílias em 2,4%, ainda antes de o governador ter admitido que a economia se encontra em recessão..Só com o pão, a factura poderá aumentar 72 euros por ano, tendo como base de cálculo o consumo diário de dez unidades por família com dois filhos. A despesa familiar com transportes públicos deverá agravar-se em 50 euros anuais, enquanto o aumento dos combustíveis - que ameaça novos máximos devido à crise árabe - pode representar mais 240 euros anuais na despesa esporádica com veículo próprio. Já o aumento das taxas de juro à habitação poderá significar uma subida de 49 euros mensais na prestação média, ou seja, mais 590 euros em termos anuais. .Nos apoios sociais, o rombo também é expressivo no abono de família, que abrange 1,4 milhões de crianças e jovens. Um casal com um filho de 9 meses e um rendimento líquido de 1172 euros que recebia 56 euros de abono de família, perde o direito ao abono, segundo o exemplo apresentado no estudo, o que resulta em menos 790 euros no seu rendimento. Também as restrições no subsídio social de desemprego prejudicam o rendimento, numa altura em que há cerca de 250 mil desempregados sem acesso a subsídio..Ainda mais particular é a situação dos funcionários públicos que vão sofrer um corte inédito nos salários. E mesmo se o cálculo incidir unicamente na combinação do congelamento das progressões nas carreiras e não na compensação da inflação nos salários, a perda é igualmente significativa..Tomando como exemplo um assistente operacional com um salário líquido mensal de 686 euros - que esteja enquadrado no nível 6 da tabela remuneratória - este trabalhador "vê o seu poder de compra ser reduzido em mais de 30 euros por mês por via da inflação e da não progressão na carreira para o nível 7". .Segundo o estudo da Inter, o efeito conjugado de dois anos de congelamento das progressões e de não actualização salarial a nível da inflação prevista (2,7% este ano) leva a uma perda de 145 euros mensais e de 2 mil euros anuais no rendimento daquele trabalhador, face ao que seria expectável no cenário anterior à contenção orçamental (ver tabela em baixo)..Mesmo para o salário baixo daquele funcionário - que não é abrangido pelos cortes salariais - existem penalizações reais e efectivas este ano, para além das relacionadas com as expectativas frustradas..Por efeito de um aumento de um ponto percentual na colecta em sede de IRS e de um desconto de 1% para a Caixa Geral de Aposentações, aquele funcionário verá o seu rendimento reduzido em 14 euros mensais e cerca de 200 euros anuais..Já no primeiro escalão de rendimentos afectados pelos cortes entre 3% e 10% - que se aplicam a partir dos 1500 euros brutos -, um funcionário que aufira 1550 euros brutos (1139 líquidos) vai ficar penalizado em 32 euros por mês, o que no final do ano acarreta uma perda de 453 euros. .As estimativas apresentadas no estudo da CGTP para o poder de compra não contemplam outro tipo de factores que reduzem o rendimento real, como a não actualização dos salários do sector privado ao nível da inflação ou o congelamento do valor das pensões, isto para não falar da situação de desemprego que afecta muitas famílias e que ainda afectará outras..Fora dos cálculos estão também a retirada de bolsas no ensino superior ou a redução da acção social escolar no ensino básico..A Inter lembra ainda que o não cumprimento do acordo sobre a actualização do salário mínimo nacional para os 500 euros mensais - previsto para este ano - é responsável por uma diminuição do rendimento mensal em 15 euros face às expectativas..Os trabalhadores portugueses, com 485 euros, continuam a ser aqueles com o salário mínimo mais baixo da UE entre os países que o praticam. Em Portugal, cerca de 1,4 milhões de pessoas recebem menos de 600 euros por mês, perto de 37% do total de trabalhadores por conta de outrem que existem no País.