Podem o Barça e a Liga espanhola viver um sem o outro?
A Catalunha prepara-se para ir amanhã a votos, num referendo sobre a potencial independência da região, e o assunto tem sido tema controverso, até pelas consequências geopolíticas que a separação de Espanha podiam gerar. Entre os cenários mais debatidos, da economia à possível integração na União Europeia, está inevitavelmente o futebol e o impacto que uma Catalunha independente teria para o Barcelona, principal clube catalão, e para a Liga espanhola.
Até o próprio treinador do rival Real Madrid, Zinedine Zidane, já veio a público dizer que não imagina "uma Liga espanhola sem Barcelona", mas esse seria o cenário mais provável se os catalães declarassem independência. "Se a independência da Catalunha for anunciada, a Lei do Desporto é muito clara e só permite que equipas espanholas joguem na Liga espanhola. O único caso especial é o de Andorra, porque a Lei do Desporto a permite", vincou o presidente da Liga, Javier Tebas, numa entrevista concedida.
Visão muito menos dramática tem o presidente da União de Federações Desportivas da Catalunha, Gerard Esteva, que diz que "numa Catalunha independente o Barça teria a sorte de poder escolher em que Liga jogar". Mas mereceu resposta dura de Tebas. "Não sei se o disse a altas horas da noite ou se está a enganar todos os catalães, mas garanto que o Barça não poderá escolher onde jogar se houver processo independentista. As independências unilaterais não são à la carte", retorquiu, avisando sobre as consequências de uma eventual Liga catalã.
"Creio que a Liga da Catalunha seria um pouco como a da Holanda e em direitos televisivos os clubes não vão ter as mesmas receitas que agora têm. O Barcelona deixará de ser um grande clube da Europa", advertiu o presidente da Liga, que também está preocupado com as consequências para a entidade que lidera: "A saída do Barcelona afetaria a Liga, tal como Espanha sairá prejudicada com a independência da Catalunha. A confirmar-se, a Liga terá de pensar em soluções para que isso afete o menos possível."
Finanças e ranking em causa
Se Javier Tebas hoje se mostra intransigente quanto à possibilidade de os clubes de uma Catalunha independente jogarem na Liga espanhola, há quatro anos disse que "o importante para a Liga, a nível económico, é que o Real Madrid e o Barcelona estejam sempre na frente". Não é para menos. Os culé venceram oito dos 13 últimos campeonatos, não falham um pódio há dez temporadas e protagonizam anualmente uma luta acesa pelo título diante dos merengues.
O potencial de atração para os direitos televisivos registaria, portanto, uma grande queda. Do bolo do 2,65 mil milhões de euros do contrato centralizado que está celebrado até 2019, 140 milhões são atribuídos anualmente ao Barcelona e Real Madrid, pelo facto de os jogos dessas equipas serem os que geram mais audiências. Caso os catalães desapareçam do mapa da Liga, os valores vão baixar, naturalmente. Para a Liga e para o Barça.
Contudo, Espanha também iria sofrer no ranking da UEFA, que lidera atualmente, pois perderia um clube que chega regularmente longe na Liga dos Campeões, prova que o Barça venceu por quatro vezes desde 2006. E a própria seleção espanhola também iria sofrer na pele, uma vez que boa parte da matéria-prima à disposição do selecionador Julen Lopetegui é made in Catalunha (ver campo).
O mesmo se verifica noutras modalidades: 81 dos 305 atletas que representaram Espanha nos Jogos do Rio 2016 são catalães, como o basquetebolista Pau Gasol e os medalhados de ouro Mireia Belmonte (natação), Marc López (ténis) e Saúl Craviotto (canoagem).
Barcelona em França?
Caso a independência avance, o Barcelona teria duas hipóteses: disputar a Liga local ou competir noutras paragens. A segunda hipótese parece ser a ideal para que continue a ser um colosso do futebol mundial, até porque não é líquido que a UEFA reconheça a Federação Catalã. O organismo já castigou repetidamente o clube por slogans pró-catalães, não quer ouvir mensagens políticas durante os jogos das suas competições e aparentemente não vai muito à bola com causas regionalistas.
Contudo, o Barcelona poderá ter portas abertas no estrangeiro, onde poderá encontrar receitas e competitividade que certamente não terá numa potencial Liga catalã. Com um orçamento anual a rondar os 700 milhões de euros, muito por culpa dos 140 milhões referentes aos direitos televisivos, mas também dos 55 milhões do patrocinador Rakuten (até 2020-21) e dos 105 a 155 milhões da fornecedora Nike (até 2026), entre outros, os culé terão todo o interesse em competir num campeonato com visibilidade, para manter os acordos.
Há cerca de dois anos, por altura de uma consulta popular na Catalunha, o então primeiro-ministro francês Manuel Valls (que nasceu em Barcelona e cessou funções em dezembro do ano passado), estendeu a passadeira aos blaugrana: "Se o Mónaco entrou para a Liga francesa, então por que não..."
Caso isso venha um dia a concretizar-se, estará longe de ser algo original. Além dos monegascos em França, há dezenas de exemplos, entre os quais se incluem Swansea (País de Gales) em Inglaterra, Vaduz (Liechtenstein) na Suíça, Toronto (Canadá) nos Estados Unidos ou Wellington Phoenix (Nova Zelândia) na Austrália.