Pobreza é o novo inimigo depois do adeus às armas das FARC

Armas serão fundidas e o metal usado para a construção de três monumentos. Ex-guerrilha e Estado têm novos desafios
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As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) concluíram ontem a entrega das armas às Nações Unidas, pondo fim oficial à luta armada iniciada em 1964 que resultou num conflito que durou mais de meio século e fez mais de 220 mil mortos. "Adeus às armas, adeus à guerra. Bem-vinda a paz", disse o líder das FARC, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, num evento no município de Mesetas. O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, falou de um dia muito especial, o dia em que as armas foram trocadas por palavras. O novo inimigo, disse no início do processo de entrega de armas, é a pobreza.

"Posso dizer, do fundo do coração, que por chegar a este dia, por viver este dia, por conseguir que haja este dia, valeu a pena ser presidente da Colômbia", referiu Santos na cerimónia, que marca a passagem de mais um marco no acordo de paz, assinado a 24 de novembro, cuja negociação lhe valeu o Nobel da Paz em 2016. "Milhares de armas foram entregues e não serão nunca mais uma ameaça para qualquer cidadão no nosso país ou no mundo", acrescentou o presidente.

Dias antes, quando começara o processo final de entrega de armas, Santos admitia que com a desmobilização dos guerrilheiros "os novos inimigos são a pobreza, a ignorância e a saúde precária". Segundo os números do governo, entre 2010 e 2015, 4,6 milhões de colombianos saíram da pobreza e 2,6 milhões da pobreza extrema. O objetivo é tirar outros 1,5 milhões neste ano. O PIB cresceu 2% no ano passado, ficando aquém do registado em anos anteriores. Segundo os dados oficiais, subiu 1,1% no primeiro trimestre de 2017, com o presidente a dizer recentemente numa viagem a França que as estimativas é que o fim do conflito armado signifique um aumento adicional de um a dois pontos percentuais no PIB. Em abril, o desemprego era de 8,9%.

"Adeus às armas"

Durante todo o processo não houve uma única foto de um guerrilheiro a entregar uma arma à missão da ONU, porque para as FARC isso seria uma imagem de uma derrota e não de um acordo de paz. No total, os sete mil guerrilheiros entregaram 7132 armas, que serão agora fundidas. O metal será usado para a construção de três monumentos à paz que ficarão em Nova Iorque, Cuba (onde ao longo de mais de quatro anos decorreram as negociações de paz) e na Colômbia. Vai continuar ainda a limpeza dos 900 esconderijos cuja localização foi revelada pelas FARC - em 77 já verificados foram encontradas mais armas, munições e explosivos.

"Ontem guerrilheiros, hoje militantes da esperança do povo", disse Timochenko. A partir de agora, referiu, a ex-guerrilha continuará a existir apenas pela via legal, sem armas e pacificamente. O líder da antiga guerrilha mostrou-se "confiante" de que a democracia "abrirá os braços para que as FARC possam voltar à vida civil", com a garantia de segurança para os ex--guerrilheiros. "Cumprimos a nossa palavra e esperemos que o Estado cumpra a sua. A partir de hoje, deve cessar toda a perseguição política na Colômbia", afirmou, criticando os atrasos da parte do Estado no cumprimente de algumas promessas - como a libertação dos ex-guerrilheiros amnistiados.

O desafio para as FARC passa também pela sua transformação em partido político, estando previsto realizarem um congresso em agosto a pensar nas eleições de 2018. Mesmo sem os votos suficientes, e segundo o estabelecido no acordo de paz, terão assegurados cinco lugares no Senado e cinco na Câmara dos Representantes.

Para a oposição ao acordo de paz, liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, o facto de os ex-guerrilheiros poderem chegar à política sem passar pela prisão é um problema. A maioria deles beneficia de uma amnistia, mas tribunais especiais, compostos por 48 magistrados (entre eles dez estrangeiros) vão ser criados para julgar os envolvidos em crimes graves que podem ser punidos com até 20 anos de prisão. Entretanto há também o desafio de conseguir a reincorporação dos sete mil ex-guerrilheiros, ainda concentrados em 26 acampamentos, na vida pública. Com a entrega das armas, cada guerrilheiro recebeu um certificado e assinou um compromisso de não voltar à luta armada.

"O sucesso do processo de paz será o da sociedade para proteger as gerações futuras", disse o chefe da missão da ONU, Jean Arnault, lembrando que o "cessar-fogo bilateral e definitivo declarado a 29 de agosto foi respeitado por ambas as partes e contribuiu para a diminuição dos indicadores de violência". O francês defendeu que este processo sirva de exemplo "para aplicar-se a outras partes do mundo".

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