Pó limpo, "As Tentações" de Bosch seguem em breve para Madrid

Numa caixa construída de propósito para acomodar o tríptico na viagem ao Museu do Prado, peça segue viagem em breve. Por razões de segurança, a data é mantida em segredo.
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"A limpeza que se fez foi só uma limpeza de superfície mecânica de poeiras." A explicação rápida e com vocabulário muito profissional é de Susana Campos, conservadora do Museu Nacional de Arte Antiga. Traduzindo: limpou-se o pó e As Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch estão prontas para se mostrarem em Madrid, na exposição El Bosco. La exposición del V Centenario, que o Museu do Prado vai exibir a partir de 31 de maio.

"Está em ótimo estado de conservação", diz Susana, acerca da pintura sobre tela do pintor holandês, um dos tesouros nacionais do MNAA. Razão pela qual antes da viagem até Madrid apenas foi feita "limpeza de poeiras com uma trincha macia e um espanador". Mais demorada é a verificação exaustiva do estado de conservação da obra.

Aproveitando o dia de fecho do museu, o tríptico foi retirado da sala em que era exibido no dia 2 de maio. E desde então encontra-se numa pequena mas bem arejada sala com vista para o Tejo, onde Susana Campos tem visto e revisto cada milímetro do quadro. As juntas entre as diversas tábuas que formam cada um dos quadros e o ajuste da pintura à moldura são os pontos mais sensíveis. Uma verificação que se repetirá em Madrid, à chegada e à partida e depois em Lisboa, no regresso do quadro.

Quando perguntamos se será ela a acompanhar este tesouro nacional até Madrid, ri-se, encolhe os ombros e afirma quase mecanicamente: "Não sei. Será um técnico do Museu Nacional de Arte Antiga que acompanhará a obra". Razões de segurança obrigam a que não seja revelada nem a identidade do acompanhante nem a data em que a peça seguirá viagem.

Não é a primeira vez que o tríptico As Tentações de Santo Antão (1495-1500) é emprestado, mas há 24 anos que não saía do Palácio de Alvor-Pombal, onde o museu está instalado desde a inauguração em 1884. Como a tecnologia evoluiu e muito nestas mais de duas décadas, para estes mil quilómetros de viagem foi construída "uma caixa especial, climatizada, com todas as condições para que a peça tenha o mínimo de vibrações, para que não haja alterações de temperatura e humidade dentro da caixa, durante o transporte, porque as pinturas são muito sensíveis, nomeadamente os painéis de madeira", salienta a conservadora.

Uma caixa que "são, na verdade, duas, uma dentro da outra, com um sistema de suspensão pelo meio, para além de espumas e um outro material que amortece as vibrações", pormenoriza o conservador de pintura Joaquim Caetano. Está assim assegurada uma temperatura que deverá oscilar entre os 18 e os 20 graus célsius e níveis de humidade relativa entre os 50 e os 55%.

Peça fundamental

Este tríptico é a única peça de Hieronymus Bosch (1460-1516) que o museu possui e nada se sabe de como chegou a Portugal. O catálogo raisonné que o grupo de investigadores Bosch Research Project, sediado em Hertogenbosch, cidade natal do pintor, vai publicar na próxima semana propõe um caminho: "Terá sido comprado por uma espécie de chanceler para as finanças do Imperador Maximiliano I de Habsburgo [neto do rei português D. Duarte] e na segunda metade do século XVI, encontra-se na posse do Duque de Alba, Governador das Províncias Unidas da parte espanhola dos Países Baixos. Mas é uma proposta", sublinha Joaquim Caetano. "Seguem-se 400 anos de mistério, voltando a ser referido apenas em 1892 pelo historiador alemão Karl Justi, quando vem a Portugal, identificando-o na coleção do Rei D. Luís". Filipe II de Espanha, I de Portugal, pode parecer o elo de ligação. Mas, recorda Caetano, durante o período em que Portugal esteve sob o domínio espanhol (1580-1640), "costumavam fazer as coisas ao contrário".

O tríptico, em destaque na apresentação que o Museu do Prado faz da exposição "é uma obra central de Bosch, em todos os aspetos: é uma daquelas sobre a qual mais se escreve, uma daquelas que toda a gente assume como integralmente de Bosch, sem segundas mãos, e é talvez a obra de Bosch da qual foram descobertas mais réplicas", situa o especialista em pintura.

O estudo de que foi alvo em 2011 pelo Bosch Research Project veio evidenciar ainda mais o lugar da obra na atividade do pintor. "Aqui estamos perante uma pintura onde Bosch ensaiou coisas novas. As versões anteriores deste tema eram mais simplificadas e resumem-se a duas personagens: Santo Antão e os demónios que o tentam. Aqui há uma série de alterações que ele fazendo para criar uma ideia diferente, complexificando o discurso que é narrado. Não se trata só de um santo que é tentado por demónios. Também aparece, por exemplo, a figura de Cristo para a qual o santo aponta, e essa parte em que o Cristo está no painel central não estava no original. O que quer dizer que estamos a observar o pintor a criar verdadeiramente um modelo. E o que temos nas versões seguintes do mesmo tema, são obras que repetem o modelo já estabilizado aqui".

Não se sabe a data da partida, mas o regresso a casa de As Tentações de Santo Antão já está marcado para 20 de setembro. E para que não passe despercebido, será a obra em foco no MNAA. Para que os portugueses possam matar saudades deste tesouro nacional.

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