Planeta Terra: uma casa comum

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Fui, na adolescência, uma leitora compulsiva de ficção científica. Um dos Leitmotive era o risco de destruição da Terra, e nem sempre essa ameaça surgia de mundos exteriores, sendo muitos os autores cujo tema era a destruição da vida e do planeta pela própria espécie humana. Excelentes escritores tornaram estas extraordinárias narrativas quase verosímeis - sem a ajuda da imagem e dos efeitos especiais que, então, ainda não existiam - numa espécie de premonição da agenda da Cimeira de Copenhaga. Acresce que muito antes dessas leituras já eu era cristã, o que reforçou a minha convicção profunda de ser um grande pecado estar nesta vida e neste mundo como um predador ou ao lado dos predadores. Sei que a consciência das responsabilidades e das consequências é, nesta matéria como em quase tudo, indispensável.
À semelhança do que acontece com outros problemas deste mundo global a questão climática só se poderá resolver através da construção de uma consciência planetária. Uma consciência que assuma o simples facto de a espécie humana não ter outro território próprio que não seja este planeta, interiorize o dever de o preservar para as gerações futuras e se disponha a rever padrões de produção e consumo que se tornaram insustentáveis. Parece-me que o primeiro passo deve ser no sentido de uma nova forma de ver as coisas - e é aqui que a Cimeira de Copenhaga pode ser determinante - que ultrapasse a simples dicotomia dos países ricos e pobres, de-senvolvidos ou em vias de desenvolvimento, poderosos ou não poderosos, predadores ou vítimas. Ora se o ponto central das negociações for, de facto, a construção de uma visão comum que estabeleça como deverá ser o mundo que queremos no futuro, então talvez se possa dar um salto qualitativo em termos de decisões e regras comuns que possam ir além dos meros acordos pontuais e das afirmações retóricas que habitualmente preenchem este tipo de encontros.
Sinais climatéricos mais recentes, e visíveis para os cidadãos em geral, transformaram estas questões numa causa do espaço público, no sentido de uma causa comum a todos. E isto foi, também, um ganho a que não é indiferente o facto de um tão significativo grupo de líderes mundiais terem decidido participar. A questão que subsiste é de outra natureza: será que a arquitectura destas negociações, na sua forma e substância, não é insuficiente para o que está sobre a mesa? Quanto vale o compromisso assente num somatório de individualismos pré-rotulados, num desequilíbrio de poderes, numa mão-cheia de decisões mais ou menos fragmentadas?
 Esta é uma dúvida razoável. Tem que ver com o desafio que se nos coloca neste virar de tempo, em que uma civili-#zação se esgotou e há que deitar a mão a uma civilização global em formação, fortalecer o núcleo de princípios fundamentais que integram o património colectivo, reforçar a pertença e a coexistência. Um progresso com verdade como nos diz a encíclica Caritas in Veritate que não use o homem mas se edifique à medida da sua dignidade e vocação.
A Cimeira de Copenhaga vai confrontar-se, como tantos outros encontros internacionais, com a urgência de uma nova ordem internacional, uma verdadeira ordem planetária, que substitua a que se desmoronou quando toda a mudança confluiu num padrão insustentável de abandono de um mínimo ético e as estruturas tradicionais se revelaram obsoletas e incapazes de lidar com novos problemas que cruzam vertiginosamente o planeta, se apropriam do nosso quotidiano e ameaçam o nosso futuro.
Não basta ir e negociar, nem mesmo ceder. É preciso uma nova forma mentis, uma nova arquitectura da representação, uma ética de intervenção e compromisso para impedir a "colisão maciça e sem precedentes entre a nossa civilização e a Terra".

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